quinta-feira, 8 de setembro de 2022

A rentrée

 


O Professor Marcelo anda muito chochinho. Se eu reparei, que sou um distraído de primeira água, toda a gente, decerto, reparou: um permanente sorriso triste, quase tipo Mona Lisa, uma enorme contenção nas palavras, quase tipo Cavaco Silva, nos seus tempos áureos de Presidente da República, uns tabuzinhos à mistura, menos selfies com o povinho, poucos abracinhos ternurentos às velhinhas e crianças, não beijou a barriga de nenhuma grávida, enfim, atitudes sintomáticas de alguma dorzinha que é, com certeza, de alma, porque de corpo não se nota nada, ainda que o seu caminhar seja menos perturbador e um tudo nada mais lento. Não é para admirar, senão vejamos: foram os terríveis incêndios deste Verão, a guerra na martirizada Ucrânia (ele gostaria de ter lá ido fazer uma selfie com o Zelensky, mas não lhe calhou, por enquanto…), o aumento do custo de vida, os tiros no pé do senhor ministro Pedro, a demissão, após cansaço extremo, da senhora ministra Marta, as gaffes da senhora directora-geral da Saúde, a insuficiência de médicos obstetras, o que dificultou a vida de dezenas de grávidas e dos seus aflitos maridos ou companheiros, a subida escandalosa do preço dos combustíveis e, agora, para acabar em beleza, a sua pose tímida ao lado de Bolsonaro, enquanto esta personagem celebrava o Dia da Independência do Brasil com um vergonhoso comício para as eleições presidenciais de 2 de Outubro… Enfim, dramas que, neste último caso, as regras do protocolo oficial não conseguiram, nem podiam, resolver…

No seu regresso a Portugal, e novamente de frente para a crise que já se anunciou, Marcelo apetece-lhe falar, dizer muita coisa sobre o Governo de Costa, desancar na cada vez maior falta de tacto que ele e os seus ministros (uns mais do peito que outros) têm manifestado para tentar salvar o país (pelo menos, é o que eles dizem por aí). O Professor Marcelo está tristonho e enfadado, porque sabe que Portugal está um caos (onde só os ricos e os muito ricos se safam), a caminho de um buraco negro de onde, mais uma vez, vai ser difícil regressar. Até já sonhou o senhor Presidente, dizem os dois ou três assessores que lhe vigiam o breve sono, que Costa não vai aguentar até ao final da legislatura.

 

Passaram as férias. Ansiadas desde o fim das últimas, ainda em pandemia, estas chegaram, estiveram e… foram embora. Umas férias anormais, desta vez, mas com um sabor que me deixou triste quando se despediram. Nada de praias, nem de montanhas, nem de viagens para ilhas paradisíacas. Nada de caminhadas, nem de ginásio, nem de pescaria na Barragem dos Minutos, nem de piscinas públicas ou privadas. E nada de máscaras, também. Nada de nada. Apenas se deixou fluir o tempo e se fez o que nos apeteceu, sem agenda nem relógio. Algum trabalho, voluntário já se vê, umas belas noitadas de escrita, a pensar nos leitores que já terminaram o Ciclo Lunar e que se sentem perdidos sem livros para ler, muitas séries na Netflix e noutros canais (já viram The Handmaid’s Tale?), um ou dois almoços com amigos, mas amigos com quem vale a pena almoçar (ou jantar, ou passar o resto da vida), alguns encontros deliciosamente inesperados, convívio mais estreito com o pessoal da casa e seus deliciosos pares e amigos(as), casamentos, baptizados, aniversários da filharada, funerais, enfim, o pacote completo para, mesmo de férias, nunca deixarmos de ter os pés bem assentes no chão, neste chão alentejano que queima e aquece, que nos agarra como coisa própria sua.  

Pode parecer comum para a maioria, o que, para mim, é extraordinário e cada vez mais constante: saborear cada momento em que estamos vivos e com quem gostamos de estar. Como dirão, no seu delicioso linguajar, alguns alunos meus, máxima que eu partilho com mais intensidade cada dia que passa e me faz aproximar do fim: “Fretes não é a minha cena!” Entre outras concordâncias que me unem à mulher mais velha cá de casa, está esta que ela me atira logo de seguida, numa resposta imediata, sem pausa, nem dramática nem de outro género qualquer: “E a minha também não!”

 

O final das férias é, invariavelmente, assinalado com a Feira da Luz na nossa cidade. E a deste ano, depois de dois Setembros de jejum, ainda que algumas pessoas não concordem, foi das mais espectaculares de sempre. Apesar dos momentos de crise que começámos a viver, o discurso optimista do Presidente da Câmara, na inauguração da festa, e a sua abertura à intervenção de outros convidados, dá-me margem para acreditar que é possível fazer de Montemor uma cidade e um concelho, tal como ele referiu, visíveis em todo o Mundo. E a vários níveis: cultural, económico e turístico.

Para além da Câmara Municipal, se há mais alguém responsável pela divulgação dos eventos e iniciativas destes dias de rentrée, é a equipa de comunicação da autarquia que, em serviço permanente, espalhou, ao minuto e aos quatro ventos, o que de bom havia no recinto do certame. Atrás do nome Feira da Luz/Expomor ia, obviamente, colado o nome daquela cidade onde tudo é possível acontecer. Até, vejam só, uma utilíssima mudança nas mentalidades. 

        Quando acabei de colocar o ponto final no texto, veio a notícia da morte de uma mulher que parecia eterna e que vai ficar para sempre na nossa memória.

            The Queen is dead. Long live the King!

João Luís Nabo

In "O Montemorense", Setembro de 2022

 

 

 

           

 

 

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Distraídos crónicos...


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