Ah, teatro, e tal,
Montemor tem tradição, e tal, e o Theatron é já um ponto de referência a nível
nacional… Pois é mesmo. E, se ainda não o fosse, passava a sê-lo depois da sua
última produção “O Coração de um Pugilista” do dramaturgo alemão Lutz Hubner,
nascido em 1964.
Escrever sobre as capacidades camaleónicas de Bernardino
Samina, o pugilista, é chover no molhado, porque ele consegue ser sempre cada
personagem que interpreta. Assenta-lhe na perfeição a pele do velho pugilista
reformado, saudoso dos tempos áureos da sua carreira e que conhece, por acaso
do destino, um jovem “delinquente” a cumprir, por determinação do tribunal, um
período de serviço social no Lar onde aquele vive, só e em delírio com as suas
memórias.
O papel do protagonista acaba por viver, de forma indelével,
da extraordinária contracena com um jovem actor, sobre quem já escrevi e de
quem também sou amigo. O Paulo Quedas, que interpreta o jovem a cumprir o
serviço social, cria, neste diálogo (a peça é um “simples” diálogo entre duas
pessoas de gerações diferentes), uma personagem notável, sensível, rebelde,
descontraída mas consciente do mundo que o rodeia e ameaça. Posso dizer que não
poderia ter sido escolhido o par de actores mais adequado para a representação
deste drama actual, com constantes alusões à solidão, ao desinteresse dos
jovens pelos mais velhos, mas que também é um hino à esperança e à vida. Tanto
um como outro são perfeitamente enquadráveis nas galerias das grandes
personagens do novo teatro alemão.
Passámos ali por uma hora de aprendizagem. As personagens
aprendem que, embora “retidas” pelos seus “crimes”, podem criar laços
perduráveis e que não encontram barreiras nem na idade, nem no sexo, nem na
morte eminente de um ou na longa vida do outro. E depois, para além do texto
magnífico e brutalmente bem interpretado, tenho de falar no que não se costuma
falar muito nestas ocasiões. Nos tempos. Nas pausas. Nos olhares. Esta trilogia
“técnica” foi uma das tónicas da representação que veio acentuar, mais ainda, o
profissionalismo dos actores, da encenadora Catarina Caetano, da assistente de
encenação Sónia Setúbal e do luminotécnico/sonoplasta Nuno Borda D’Água. Uma
equipa a não mexer.
Falta escrever que foi levada à cena nos dias 13, 14 e 15 de
Junho, na black box do Cine-teatro Curvo Semedo, na minha cidade de Montemor-o-Novo, e que, se
fosse eu que mandasse, partiria já amanhã em tournée até ao fim do Mundo.
In "O Montemorense" de 20 de Junho de 2014
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