quarta-feira, 18 de novembro de 2015

"Não há longe nem distância" *


           Ainda em pleno rescaldo dos acontecimentos de 13 de Novembro, em Paris, poucos têm ainda o discernimento suficiente para lançar as habituais opiniões, sempre doutas e seguras, sobre este género de situações para as quais não há, aparentemente, qualquer hipótese de prevenção. Atentados ocorreram desde sempre, em lugares longínquos do globo mas que, para nós, portugueses-a-vivermos-num-paraíso, não têm passado disso mesmo: de mortos aos milhares, rios de sangue, torturas e execuções mas que acontecem longe, muito longe, e que, graças ao longe, à distância e à nossa falta de capacidade de processamento, não passam de situações dramáticas que jamais em tempo algum nos poderão atingir, a nós, portugueses, pacíficos e (mais ou menos) tolerantes.
Milhares de artigos foram escritos nestas últimas horas sobre Paris, narrando o terror e a incerteza vividos pelas dezenas de vítimas inocentes; sobre a falta de segurança e a incapacidade das autoridades de lerem os avisos que vinham sendo lançados desde os atentados de Nova Iorque (2001), de Atocha (2004) ou de Londres (2005). Multiplicam-se agora as estratégias para cumprir a velha máxima da “casa arrombada, trancas na porta”. E que passam, na sua maioria por outras acções de violência que, pelo seu carácter radical, dificilmente serão a solução verdadeiramente eficaz. E aqueles que, veiculando várias teorias da conspiração, não aceitam a entrada de refugiados na Europa, encontraram nos atentados de Paris o motivo deliciosamente exacto para elevar ainda mais a voz contra os que procuram a paz e uma vida normal num canto qualquer longe da guerra e da fome. Também eles vão, consequentemente, levar com os estilhaços destes momentos tão cruciais para o rumo da Europa, hoje cada vez menos tolerante e cada dia mais fechada. Eles e outros. Vai iniciar-se a inevitável caça às bruxas que, em tempos de triste memória, fez as delícias de Católicos e Protestantes temerosos pela perda do seu domínio sobre as mentes e os comportamentos do mais comum dos mortais. Como podemos ver, tem tudo a ver com religião. E com poder.
Como é viver em Paris, a partir do dia 13 de Novembro? Em termos de quotidiano, tudo se alterou. Viver a vida pacificamente numa rua qualquer de Paris, de Londres ou de outra cidade europeia (e americana) já não será possível, pelo menos durante o tempo em que as imagens dos massacres de Paris (e outras, repescadas de outros ataques terroristas) continuarem, repetidamente, a passar nas televisões de todo o mundo.
Os trágicos eventos que nos levaram as estas reflexões só aconteceram como consequência directa da ingerência por parte dos países ocidentais, sob o comando da sempre amada e todo-poderosa América, na gestão interna de vários países do Médio Oriente. E querer, à força, mandar em países com essas características, em que o poder do Estado não se distingue do poder Religioso (como, em tempos, aconteceu em Portugal), é como mexer num ninho de vespas: as consequências são, obviamente, imprevisíveis.

            Há uns tempos, quando se falava no Médio Oriente, em Israel e na Palestina, apontava-se para muito longe, aliviados pela distância. Mas já não é assim. O Médio Oriente é muito mais do que a disputa entre aqueles territórios, o longe já não existe e o Mal, na sua essência mais profunda e inaudita, está onde está um ser humano, quer use turbante, solidéu ou quipá.

* Richard Bach

In "O Montemorense!", 20/11/2015 

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