(Fonte: Washington Post)
Covid-1
Começa a ser um lugar comum, a cheirar a mofo, até, dizer-se ou escrever-se
que nunca tínhamos experienciado uma situação como esta a que o Coronavírus nos
obrigou a viver. E é quase sempre daqueles que ficam confortavelmente em suas
casas à espera que a coisa passe, que nasce grande parte das reclamações
efusivas e dramáticas, como se eles fossem enfermeiros ou bombeiros em risco de vida.
Estes e outros profissionais que andam na linha da frente a combater a doença e
os comportamentos idiotas, fúteis e de animais irracionais de alguns de nós nem
têm tempo para se queixar.
Os dois milhões de mortos, ao tempo de hoje, em todo o planeta são um sério
aviso à navegação mundial. O que nos deixa desconfortáveis, e quiçá irritados,
é que este número de vítimas poderia ser muito menor se, durante os genéricos
iniciais deste filme, não se tivesse desvalorizado a gravidade da situação e se
tivesse perdido tempo com conselhos inúteis. E apesar do que está à vista do
planeta inteiro, ainda hoje há trumps e bolsonaros que, de forma absolutamente
terrorista, gritam aos mil ventos que tudo o que se está a passar não é mais do
que “uma gripezinha”, outros ainda afirmando com assumida propriedade que isto
não passa de um castigo de Deus para com os homossexuais. Declarações do género
vão abrindo caminho na mente de idiotas como eles, que acabam por viver o dia-a-dia sob o risco de serem contaminados e com grandes probabilidades de
contaminarem outros.
Covid-2
No nosso país passou-se algo parecido, embora com contornos diferentes.
Contudo, o grau de inconsciência julgo que andou perto. Recordo quando ainda
não havia casos declarados em Portugal e ouvi a Directora-geral da Saúde
afirmar que seria suficiente resfriarmos os nossos contactos sociais, que “não
era preciso andarmos sempre aos beijinhos e aos abraços”. Depois foi o tempo de
uma eternidade até o Governo de António Costa decidir fechar as fronteiras com
Espanha (mas só aos turistas). Ou seja, se o vírus viesse na bochecha de um
condutor de um transporte de mercadorias, poderia passar porque vinha em
trabalho. Se viesse na mucosa nasal de um turista, então, porque vinha em
lazer, já não poderia atravessar a fronteira. A acrescentar a estes disparates,
só muito mais tarde é que foram encerrados os aeroportos. Pois foi assim, caros
leitores e caras leitoras, que, com calma e simpatia, escancarámos o nosso
querido Portugalzito à pandemia, expusemos os idosos e os igualmente mais
vulneráveis, de modo a que o vírus fizesse o que entendesse, com toda a
liberdade e com todo o tempo do mundo.
E agora é aguentar, com o Serviço Nacional de Saúde a dar o berro, com 18.000
infectados e com 600 mortos. E agora é aguentar o milhão de portugueses em lay-off
com sessenta e seis por cento de vencimento, é aguentar o desemprego e as aulas
pela televisão e pelo célebre e amado Teams, uma plataforma digital assim tipo central
de comunicações 24 sobre 24. E agora é aturar a mulher, o marido, a sogra, o sogro,
o pai, a mãe, os filhos, o cão e o sacana do canário que não se cala, um dia
inteiro, vinte e quatro sobre vinte e quatro horas, uma semana inteira, sete
sobre sete dias, um mês todinho (para já) do princípio ao fim. Ouvi há pouco da
parte das autoridades de saúde que vai ser declarado obrigatório o uso da
máscara em espaços públicos. Espero que seja obrigatório também dentro de casa, porque eu cá já não
consigo encarar diariamente a família com olhos de bom cristão. Nem ela a mim.
Assim, com a máscara, colocada logo de manhã após o duche, a coisa ainda dava
para suportar mais ou menos.
Covid-3
O que nos salva são as comunicações com o exterior. Criam-se novos grupos no
WhatsApp e noutras cenas do género, liberais e à maneira, e o pessoal convive,
almoça, toma café e até dorme sestas improváveis com quem nunca imaginaria que
tal desse certo. Reforçam-se os laços de amizade, apesar da distância, e fica-se
sem tempo para pensar em tragédias. Há até quem pratique piano mais do que o
habitual, estude partituras para coro, escreva artigos para jornais e, até,
imaginem a ousadia, tenha pensado numa história em forma de romance.
Covid-4
E o melhor do mundo continuam a ser as crianças, complementando o verso do tal
que a gente sabe. Pois continuam. E agora estão na mó de cima, a rirem-se de
nós como se não houvesse amanhã. Um jovem aluno, em conversa animada comigo através
de um desses processos modernos e apelativos, disse, e com toda razão do seu
lado: “Nunca imaginei que os meus pais me estivessem sempre a dizer agora para
ir para o computador e para o telemóvel, quando, há umas semanas me diziam
exactamente o contrário, chegando ao ponto de me proibirem tal prática, por
causa das notas baixas na escola… Afinal, se não fosse a nossa prática, adquirida
em anos, em lidar com estas novas tecnologias, como é que a gente se iria desenvencilhar
com estes métodos de ensino à distância e orientar professores menos talentosos? Eram os cotas que nos iam ensinar?”
E tem toda razão, o puto. Toda mesmo. Dá-lhe, miúdo!
João Luís Nabo
In O Montemorense, Abril 2020
4 comentários:
Esscreve, escreve e toca piano que é isso que te faz bem à alma.
Muito interessante como sempre. Abraço
Orlando - menino do coro
Bravo!
O VIRUS NATURAL
NÃO É O VIRUS MAIS MORTAL.
O virus que mais gente mata
É o virus da infame riqueza
Que tem uma existência barata
Pois se alimenta da fome e da pobreza.
O virus que mais gente mata
É o virus da guerra, que é forte
Pois a riqueza madrasta
O alimenta com a morte.
Deste modo o virus que mais gente mata
É o virus-pai capitalista
Que com a guerra, a morte, a fome e a pobreza
Vai inchando o ventre dos detentores da riqueza,
Mostrando assim ao mundo, sem vergonha nem moral,
Que lhe falta
Qualquer componente original
Que seja de natureza humanista.
Maio de 2020
Otto Solano
Enviar um comentário