Penso que já se disse tudo sobre o Novo
Coronavírus. E já se escreveu o que se tinha a escrever. Tudo o que se acrescentar
a partir de agora deverá trazer novidades e propostas de solução. (Por esse
motivo, e porque não tenho soluções para apresentar, eu devia parar já de bater
com os dedinhos no teclado do computador. Mas aí, seria despedido do jornal e
não teria forma de pagar o carro novo – estou a brincar.) E há questões que não
vale a pena voltar a aflorar. Situações absurdas que nos surpreenderam todos os
dias, quando pensávamos que vivíamos num país evoluído e progressista. E não me
venham dizer que a estupidez humana em geral e a estupidez dos portugueses em
particular são ainda herança da longa noite do fascismo. Isso foi chão que já deu
uvas, e os tristes que se desculpam com esses 48 anos de escuridão (que já lá
vão quase há meio século) deviam pensar melhor no que dizem e no que fazem.
Enquanto assistíamos ao colapsar da Itália e ao
alastrar da epidemia noutros países da Europa, continuámos a fazer a nossa
vidinha como se nada estivesse a acontecer e, pior ainda, como se Portugal se
localizasse numa redoma de vidro que o tornava intocável e imune a todo e
qualquer vírus. Numa primeira fase, quando parecia que o problema se encontrava
“apenas” do outro lado do mundo, a velha expressão “isso só acontece aos
outros” continuava de boca em boca, quando nos encontrávamos com os amigos nos
cafés, nos restaurantes, nas discotecas, nos teatros e cinemas, nos recintos
desportivos, nos ginásios, nos balneários, nas escolas, nas missas, nos ensaios
dos coros e das bandas, nos escuteiros, nas visitas de estudo, nos projectos
Erasmus, nas viagens ao estrangeiro… em plena pandemia.
Numa segunda fase, se
algum de nós, mais consciente ou mais temeroso, referisse a necessidade de uma
mudança urgente de comportamentos e políticas, os doutores e engenheiros da
nossa praça atiravam-nos logo com artigos de jornais e de revistas sobre a
Gripe Espanhola… que matou mais de 100 mil (nunca percebi como é que isto serve
de argumento para defender seja o que for ou para contrapor as opiniões dos
mais atentos). Outros, licenciados em Medicina de um dia para o outro e
especialistas em Saúde Pública na Universidade da Vida, atiravam com um
doutoral e inabalável, “mas a gripe comum mata muito mais e ninguém fala
nisso.” Alguns ainda, com a mania que salvam o planeta da fome, mas que vão
para a praia quando as escolas e as universidades são encerradas, vociferavam:
“Morrem mais crianças à fome do que as vítimas do Corona e ninguém se importa
com isso…” Enfim, para cada borrego a sua borreguice. E não valia a pena
referir que os casos apontados nada tinham a ver uns com os outros e que agora
se tratava de um vírus mutável, perigoso, e de rápida propagação. Não. Os que
se preocupam é que são estúpidos e os que compram umas mercearias a mais nos
supermercados é que são uns egoístas açambarcadores e má-na-sê-quê.
Numa terceira fase,
agora que grande parte dos edifícios e das instituições públicas e privadas se
encontram encerrados, não sabemos quais serão as verdadeiras e terríveis
consequências de todo este processo alucinante. E não me refiro apenas à
qualidade de vida, à saúde e à necessidade imperiosa de sobrevivência. Sabemos
que não estamos a viver um filme de terror. Foi a nossa vida que se transformou
numa existência de incerteza e de medo, tal como vimos em muitas narrativas
cinematográficas e literárias, tal como Stephen King profetizou em tantos dos
seus romances, ou como Dean Koontz imaginou no seu livro The Eyes of
Darkness, publicado em 1981, em que a cidade de Whuan se torna no berço do vírus,
ou ainda como a escritora, também norte-americana, anuncia uma pandemia
irreversível “lá para o ano 2020”, no seu livro End of Days: Predictions and
Prophecies About the End of the World. Assustador? Sim. São apenas livros? São.
E de qualidade literária questionável, segundo alguns críticos. Mas a verdade é
que já começámos a viver o que ambos imaginaram na ficção, há já algumas
décadas.
Numa reflexão um pouco
mais fantasiosa e correndo o risco de parecermos paranóicos, não seria estranho
se um cientista desequilibrado, após ter lido os livros, tivesse decidido fazer
exactamente o que lá vem descrito. Koontz e Browne tornar-se-iam profetas e o
cientista louco terminaria os seus dias num manicómio a assistir ao colapsar do
planeta, qual Nero diante de Roma em chamas, sem poder gastar os milhões de
dólares que um qualquer governo, igualmente louco e terrorista, lhe teria pago
para cometer este crime maior contra a humanidade.
Regressando à nossa realidade e resumindo as
aventuras dos últimos dias, passámos de uma despreocupação absolutamente
patética para uma fase de invasão dos supermercados e farmácias. Do abraço
efusivo e do beijo lambuzado à vénia e ao toque de cotovelo. Agora, não cumprimentamos
ninguém como devíamos (por vezes, até dá jeito) e apodera-se de nós um receio
atípico quando temos de aceitar o pão do padeiro que, fiel às suas obrigações, nos
vem bater à porta todas as manhãs.
Se a estupidez não tem cura, o que me deixa aliviado é que esta questão do vírus vai acabar, mais tarde ou mais cedo, por ficar resolvida. Já a questão da estupidez... essa ficará em stand-by à espera de uma nova epidemia. Não sei quando terminará este período de caos. Não sei se ainda cá estarei nessa altura, mas, para já, vão para casa e não me aborreçam mais com as vossas doutorices da mula russa e os vossos exageros liliputianos.
Se a estupidez não tem cura, o que me deixa aliviado é que esta questão do vírus vai acabar, mais tarde ou mais cedo, por ficar resolvida. Já a questão da estupidez... essa ficará em stand-by à espera de uma nova epidemia. Não sei quando terminará este período de caos. Não sei se ainda cá estarei nessa altura, mas, para já, vão para casa e não me aborreçam mais com as vossas doutorices da mula russa e os vossos exageros liliputianos.
Portugal é, e vai continuar a ser, um Portugal
dos Pequeninos. Mas isso já todos sabemos.
João Luís Nabo
In "O Montemorense", Março de 2020
João Luís Nabo
In "O Montemorense", Março de 2020
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