quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Toca o sino...

 

  


I

Toca o sino…

 

…pequenino, sino de Belém. Há dois milénios que se celebra o nascimento da figura mais carismática da História e a que, talvez, mais conflitos tenha provocado, de forma involuntária, é certo, mas devido à maneira oportunista como os homens têm vindo a querer interpretar a sua mensagem.

Assumidamente interessado em temas ligados às religiões, e descontraidamente agnóstico, revejo na figura de Jesus a imagem dos homens bons, que lutam pela justiça, que dão o peito às balas, que rejeitam os bens materiais e que amam o próximo nos seus amigos e nas suas famílias, sem quaisquer interesses secundários. Contudo, o exemplo dado pela Criança que (re)nasce agora raramente foi seguido por muitos dos que o admiram e adoram e o colocam em tronos de ouro e forrados a pedrarias. Porque… admirar é uma coisa, aplaudir o seu exemplo é de bom tom, mas seguir literalmente os seus ensinamentos e as suas propostas… isso já é outra coisa muito diferente. Daí termos assistido, ao longo dos tempos, aos maiores crimes e aos insultos mais descarados ao Menino de Belém, ao Cristo do Gólgota, sacrificado pelos Seus contemporâneos e pelos que haviam de vir.

O desejo, a ganância, a luxúria, o orgulho, a inveja, a ambição desmedida, o poder, a possibilidade de dominar os mais fracos… são conceitos e práticas que nem por isso estão longe do quotidiano de muitos de nós e sem os quais muitos de nós não saberiam viver. É o que é. É o que manda a natureza humana. E quem somos nós para contrariar a natureza humana?

E Cristo? Cristo não era deste mundo.    

 

 II

Toca o sino…


…a rebate, como alerta das mil tragédias que o mundo enfrenta. A rebate, clamando ajuda de quem pode e de quem quer. A rebate, porque é tempo de urgência, de medo e de angústias que nenhum Natal consegue anular, que nenhuma oração consegue aliviar. Incêndios, inundações, derrocadas, bombardeamentos, explosões… O sino, imparável,  soa através do planeta, de Norte a Sul, de Oriente a Ocidente. Puxado por mãos invisíveis de milhões em fila, perdidos, em pânico, sem casa, sem família, prestes a perderem a vida. O que falta para que o sino, insistente e desesperado, seja finalmente ouvido?

O choro das crianças, das mães e dos velhos soam mais alto do que as mais belas canções de Natal que vamos ouvindo por aí, e têm mais substância do que qualquer poema que fala da estrela de Belém, dos pastores, das ovelhas e má-na-sê-quê. Então, o que falta para que o sino ressoe nas mentes e nos corações dos poderosos que comandam os nossos dias?  Serão necessárias mais cimeiras, mais reuniões, mais debates, mais discursos, mais apelos? Não. Bom senso. É só isso que falta. Bom senso e sentido de humanidade.

 

III

Por quem os sinos dobram…[1]

         Toca o sino, dolente e compassado, acompanhando o passo de quem se despede definitivamente de quem amou em vida e vai continuar a amar depois da morte. São milhares os seres humanos como nós que, na Europa e no Médio Oriente, morrem todos os dias, sem nada poderem fazer contra os senhores da guerra. O desespero dos sobreviventes aumenta quando percebem que os que têm poder para terminar os conflitos não querem fazê-lo porque há interesses superiores que comandam as suas decisões. Russos, ucranianos, palestinianos, israelitas pesam o mesmo na balança da vida – têm famílias, amigos, bens, e tinham um futuro. Nós, por cá, e apesar dos políticos que nos têm governado, ainda vamos tendo esperança em dias melhores e sentimos algum alívio pela distância que nos separa desses conflitos sanguinários. Se os sinos dobram por eles, um dia poderão dobrar por nós, como dizia o poeta. E aí, como escreveu um senhor chamado Brecht, já não poderemos fazer nada.

               

IV

Toca o sininho…

 

… pequenininho, do tamanho de algumas gaivotas que ainda não perceberam que a vida é muito mais do que uma imagem. A vida, essa coisa bela e abstracta, passa por nós tão rapidamente que, se não estivermos atentos, acabamos por nem dar por coisa nenhuma… Apenas porque passámos uma parte dela a admirar a nossa imagem no espelho.

                Bom Natal!

João Luís Nabo

In "O Montemorense", Dezembro 2023



[1] John Donne & Ernest Hemingway

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