sexta-feira, 13 de junho de 2025

A Trilogia do mês

 


As vizinhas

Todos temos memórias longínquas. E as mais doces poderão ser, são quase sempre, as da infância. Tempos em que os bairros da vila se pareciam muito com condomínios fechados, onde todos viviam as suas vidas, mas sem deixarem de viver, no sentido mais positivo da palavra e da atitude, as vidas dos vizinhos. Uma comunidade formada por gente diferente, mas igual.

Nós, os putos de então, éramos livres. Quase completamente livres. Prendiam-nos apenas os livros da carrinha da Gulbenkian, todos os meses, religiosamente, no Largo do Mercado; atava-nos o ar puro e de Sol ardente dos dias que passávamos no Rio Almansor, no Pego do Poço, da Pintada ou do Zangalhos, à pesca, a nadar, a conversar conversas de miúdos, descontraídas e sem filtros, sem rendas de casa para pagar, sem impostos a serem liquidados em prestações, sem empréstimos dos bancos, sem a obrigação de pôr o pão na mesa todos os dias. Amarrava-nos de forma voluntária e consciente a escola onde fizemos os nossos primeiros amigos sem serem os amigos do Bairro. Onde a voz e o olhar da Dona Bia Mareco nos abria outros mundos de novidade.

Mas o Bairro era também um mundo. Um universo que nos protegia, que nos educava, que nos acompanhava no crescimento dos corpos e das mentes. Se é necessária uma aldeia inteira para educar uma criança, como reza o conhecido provérbio africano, então foi preciso um bairro inteiro, o Bairro de São Pedro, para nos educar, a mim, ao Toninho, ao Carlitos, ao João Paixão, ao Janita, ao Zé Bibe, ao Marco, ao Nuno, ao Janeca… e às meninas que connosco brincavam… como se fossem meninos como nós.

E como agentes dessa educação primavam, sobretudo, as mulheres. As que, passando a maior parte do tempo a cuidar da casa, da horta, do jardim, dos animais e dos filhos, educavam os delas e os dos outros, nós, os membros desta misteriosa tribo que, só muitos anos mais tarde, veio a revelar-se, a par da nossa família, um núcleo educativo fundamental para as nossas vidas. As mulheres, as vizinhas, portanto, davam-nos a liberdade da brincadeira, gritavam quando nos portávamos como uns parvos, riam-se das nossas piadas inocentes, serviam-nos lanches copiosos, de sandes de fiambre e queijo, sumos gelados, bebidos naqueles verões intermináveis, nas cozinhas transformadas em salas de banquete real. As vizinhas, sobretudo as de outrora, mulheres que passam despercebidas à maioria, foram também, a par dos nossos pais, lei e norma, naquele Bairro icónico, que roubou o nome à ermida à beira-rio e que nos vem à memória todos os dias, com os aromas das manhãs. Ainda hoje, quando as encontro, 50 anos depois, as trato por vizinhas. Foi um título, não académico nem profissional, que lhes ficou. É um nome que abarca em si toda a nossa infância. E que lhes fica bem.   

No Bairro de São Pedro havia dois tipos de vizinhas: as que achavam sempre graça às intermináveis brincadeiras dos miúdos e as que, de vez em quando, não achavam graça nenhuma. Mas todas povoam os nossos pensamentos. Recordo com saudade a Prima Maria Gertrudes, a Prima Toneca, a vizinha Chica, a vizinha Maria Rosa, a vizinha Conceição, a vizinha Alexandrina, a vizinha Vitalina, a vizinha Estrela, a vizinha Toda, a vizinha Custodinha, a vizinha Agostinha, a vizinha Maria Custódia, a vizinha Deolinda, a vizinha Deonilde, a vizinha Elisa, a vizinha Margarida, a vizinha Amália, a vizinha Umbelina, a vizinha Vitalina, a vizinha Maria da Glória, a Zaia, a vizinha Dina, a vizinha Joana, a vizinha Guida, a vizinha Ermelinda, a vizinha Cremelinda, a vizinha Cecília, a vizinha Isabel, a vizinha Carminda, a vizinha Fortunata e a minha Mãe, a que todos tratavam por vizinha Rosa. Outras, porventura, vieram depois destas, mas não tiveram o peso ou a influência que as primeiras tiveram nas nossas vidas.

Obrigado a todas!

 

 

O ódio e os odiosos

 

Para falar de violência, e da violência que tem vindo a assolar o nosso pacato país, devíamos usar palavras duras, cortantes, pesadas como uma pedra, perfurantes como uma bala, esmagadoras como as palavras de ódio que se gritam por aí. Mas nós não somos adeptos da violência.

Grupos neonazis começam a assumir-se de vez como representantes de uma facção da sociedade que, embora a crescer em número de adeptos, se afasta completamente dos princípios da democracia, dos direitos fundamentais, da tolerância e prática óbvia e natural da aceitação da diferença.

Não julguemos os cidadãos de outras latitudes e cores que vieram para o nosso país à procura de uma vida melhor. (Nós também temos o mesmo impulso quando sentimos que o nosso país já nada tem para nos oferecer.) Não condenemos os que, de outras línguas e religiões, querem ficar connosco de forma definitiva. (Milhares de famílias portuguesas de segunda e terceira gerações vivem espalhadas pelo globo sem deverem nada a ninguém). Não sacrifiquemos os que pretendem, de forma legítima e legal, fazer de Portugal a sua nova pátria. Os outros, os que atacam, os que insultam, os que maltratam, os que não toleram os outros devido à cor da pele, ao Deus a quem rezam ou à língua que falam, os que desprezam, os que vilipendiam, os que destilam ódio na via pública e nas redes sociais, esses é que deviam levar o tratamento legal que merecem. E todos sabemos qual é: julgados, condenados e isolados de uma sociedade onde não se enquadram pelo radicalismo dos seus actos e pelo perigo que são, sem sombra de dúvida ou e sem “alegadamente”, para a sociedade.

 

 

Um Martini servido fora de horas

 

O Martini das Onze e Meia foi servido às 4 da tarde, no passado dia 7 de Junho. Presentes estiveram muitos amigos, alguns deles com centenas de quilómetros a separar as suas casas da Biblioteca Municipal, o santuário onde gosto de reunir toda a gente e onde toda a gente gosta de reunir-se. Estivemos, portanto, todos juntos nesta tarde, com as diferenças esbatidas e as semelhanças celebradas. Foram longos minutos de paz, de risos e de lágrimas. Juntos.  

É bom publicar livros. É muito melhor juntar os amigos. E é absolutamente indiscritível quando podemos conjugar os dois mundos: o da literatura e o da amizade e dos afectos.  A equipa que me acompanha nestas aventuras já tem aqui sido referida mais do que uma vez. Assim como as Edições Colibri, que fazem questão de me levar a concretizar estes devaneios sem nada pedir em troca. Obrigado a todos!

 

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Distraídos crónicos...


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