terça-feira, 15 de dezembro de 2015

... antes de entrar em 2016



Nesta altura do ano há sempre aquela mania, vinda sei lá de onde, de se fazer o balanço do ano. Faça lá o balanço do ano que está a findar, costuma pedir-se a quem gosta de andar sempre a escrever coisas sobre o país e o mundo. E o que é isso do balanço? Ninguém sabe, porque os resultados não servem rigorosamente para nada. Analisadas as falhas e as qualidades da nossa vida durante os últimos doze meses, ficamos a saber quase imediatamente que o que correu mal não tem muito a ver com o que fizemos ou com o que não fizemos mas com o que nos fizeram. Políticos e amiguinhos do peito continuaram e continuarão a tramar o mexilhão que, por muito que grite, sente aumentar ainda mais o vazio do abismo para onde o lançaram.
Então aqui vai:

Neste momento, no findar de mais um ano (este passou mais depressa do que qualquer outro, vá lá saber-se porquê) assisto, preocupado, à brutal ressurreição da extrema-direita em países que sempre condiderámos pais e mães da moderna democracia. E é exactamente por causa dessa democracia que um dia, mais década menos década, deixaremos de poder ser democratas. Então, quando um dia sentirmos na pele as marcas hediondas de um fascismo renascido, quando não pudermos dar voz ao pensamento e transformar o mundo ao sabor dos nossos sonhos, então, nesse dia, quero estar abraçado aos que já partiram.

Se querem que inclua neste tal balanço as próximas presidenciais e o carnaval que por cá vai por causa disso, devo concluir que Marisa Matias, Sampaio da Nóvoa, Edgar Silva e Maria de Belém Roseira gostam muito de Marcelo Rebelo de Sousa. Estão tão ansiosos pela sua vitória que obrigam o eleitorado de esquerda a dividir-se (mais uma vez, mais uma vez), o que vai levar à vitória (já por ele anunciada variadíssimas vezes) o mais célebre professor do nosso país de liliputianos.

Quanto à estranha dança de cadeiras que recentemente assolou o nosso Governozinho, o povo (eu, tu e os nossos vizinhos, quem mais havia de ser?) não acredida (nem que lhe espetem um garfo nos olhinhos) que a mudança de laranja para rosa venha a resolver os seus problemas. Porque o povo já está careca de saber que os problemas aumentam sempre de legislatura para legislatura sem que se veja solução nem vontade efectiva de encontrar uma. Não convém encontrá-la: os mamões têm de continuar a mamar, os ladrões têm de continuar a roubar, os explorados, os ofendido, os espoliados têm de ver garantida a sua existência porque sem putativos atacados não é possível haver atacantes, sem potenciais vítimas os criminosos terão de ir para o desemprego ou para uma multinacional ou ainda para um departamento qualquer do Estado, pintadinho e mobiladinho à espera do anunciado inquilinozinho.

O Natal continua a ser, cada vez com maior intensidade, o momento da família. E só quando crescemos à custa de algumas mágoas profundas é que percebemos que esta quadra acaba sempre por transformar-se num momento de maior intimidade entre os que estão e os que já não estão. Porque é a memória que prevalece. E o amor também, embrulhado neste tempo em que regressamos à infância e ao Inverno do nosso contentamento.
Recordamos as idas ao musgo, debaixo da ponte de ferro, o pequeno pinheiro que o Pai trazia de uma das suas muitas viagens em trabalho, e que a Mãe enfeitava com bolinhas brancas de algodão (em vez das bolas coloridas – e caras), as figuras do presépio compradas no saudoso Julinho de Alcântara, esse homem engenhoso que punha comboios eléctricos a andar, a velocidade considerável, uns por cima outros por baixo, na entrada do nosso Mercado Municipal.
Queremos reviver esses momentos, todos estes anos depois, nas nossas casas, com as nossas novas famílias, depositando religiosamente o mesmíssimo Menino Jesus de barro no estábulo de Belém, fixando no verde a ridícula ponte de três arcos, completamente anacrónica, passando por cima de um pato de plástico, ainda mais ridículo, a nadar estaticamente num lago de prata, e alinhando os três Reis Magos, montados em camelos mais pequenos que o São José encostado ao báculo. Contudo, para nós, putos e felizes, tudo fazia sentido.
São memórias que nunca partem, tal como os nossos que nos parecem deixar para sempre mas que, paradoxalmente, nos acenam todos os dias, espreitando, vigilantes, em cada uma das esquinas das ruas da nossa cidade.

Pronto. Queriam um balanço? É este o balanço que consigo fazer. Provavelmente muito igual ao vosso. Bom Natal.
A fofa pede-me da cozinha que aqui deixe um abraço de boas festas aos nossos 10 leitores.
Pronto, já deixei. Se continuamos juntos? Claro! Eu, vocês e a fofa.

In "O Montemorense", Dezembro 2015


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