Cozinhar faz bem à saúde e liberta-nos o espírito. Pegar nos tachos e nas
panelas, na garrafinha de azeite, na cebola e nos alhos, nos coentros e na
salsa e é o que basta para nos sentirmos uns alquimistas à procura da Pedra
Filosofal. É um prazer imenso quando a casa se inunda dos aromas que nós
produzimos a partir do nosso velho fogão, foco de luz do nosso reino
improvisado, onde tentamos reproduzir ao pormenor as receitas que as nossas
avós passaram às nossas mães e que continuam vivas nos pratos que levamos para
as nossas mesas, aguardando, quantas vezes temerosos, a crítica sempre honesta
da família. Transformar o cru em algo comestível, seja carne, peixe ou legumes
é uma arte que só quem experimenta sabe, de facto, valorizar.
Para mim, cozinhar aos Domingos de manhã é também
perpetuar a visita habitual da minha Mãe. É imaginar-me com ela, sentada no seu
banco preferido, no seu fato preto de viúva, a escutar-lhe as palavras sábias
(sempre sábias) sobre o tempo e o modo como preparar cada ingrediente, como
aromatizar cada molho, como, enfim, arrumar tudo na panela, aberta e
disponível, transformando em lume brando um Caos aparentemente sem solução numa
Ordem Sagrada onde tudo, com tempo e amor, acabava por encontrar uma deliciosa
solução.
E o maior elogio que já recebi não foram os habituais e
previsíveis “Que delícia!” “Tens muito jeito!” “Mas que sabor requintado!” Não.
O maior elogio que já recebi foi simples, e, como todas as coisas simples,
tocante e mágico: “Sabes, Pai, estas migas com carne de porco sabem mesmo às
migas da avó Rosa”.
In "O Montemorense", Março de 2016
5 comentários:
E nunca houve melhores migas... nem maior elogio!
É uma verdade que (quase) toda a gente sabe... :-)
que bonito e tocante elogio! o melhor de todos, sem dúvida!
nunca irei ter a emoção de reconhecimento igual. os meus filhos, não chegaram a conhecer a avó. quem sabe um dia as minhas netas…?...
obrigada por esta doce e bonita partilha.
resto de boa e tranquila semana
beijocassss
maria
Raízes que nos tocam e que para sempre farão parte de nós, ajudando-nos a caminhar e a ultrapassar os obstáculos que, dia-a-dia, vão surgindo em cada esquina da vida...
Que se saboreie um bom prato de as migas e que se fomente a amizade.
Abraço João, extensivo à família.
Foram tão emocionantes as tuas palavras, porque a saudade daquele rosto e daquela presença nas nossas vidas é tão grande. Sabes, acho que as nossas Mães deviam ser eternas. Obrigada pela tua partilha. E hoje no dia do pai, também eles são tão preciosos nas nossas vidas, nunca nos deviam deixar....beijinho grande João Luís, com carinho, Custódia Maria
Saboreei cada palavra com o requinte da memória, sábias palavras de quem sabe escrever com a alma e o coração, e para enternecer mais a digestão da minha saudosa memória, não é que a minha mãe o seu nome era Rosa, e eu já ouvi as mesmas palavras mas em ementa diferente. Obrigada meu caro amigo por me dar oportunidade de saborear esta delicia de texto. Um grande abraço
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