quinta-feira, 17 de março de 2016

Cozinhar



Cozinhar faz bem à saúde e liberta-nos o espírito. Pegar nos tachos e nas panelas, na garrafinha de azeite, na cebola e nos alhos, nos coentros e na salsa e é o que basta para nos sentirmos uns alquimistas à procura da Pedra Filosofal. É um prazer imenso quando a casa se inunda dos aromas que nós produzimos a partir do nosso velho fogão, foco de luz do nosso reino improvisado, onde tentamos reproduzir ao pormenor as receitas que as nossas avós passaram às nossas mães e que continuam vivas nos pratos que levamos para as nossas mesas, aguardando, quantas vezes temerosos, a crítica sempre honesta da família. Transformar o cru em algo comestível, seja carne, peixe ou legumes é uma arte que só quem experimenta sabe, de facto, valorizar.
Para mim, cozinhar aos Domingos de manhã é também perpetuar a visita habitual da minha Mãe. É imaginar-me com ela, sentada no seu banco preferido, no seu fato preto de viúva, a escutar-lhe as palavras sábias (sempre sábias) sobre o tempo e o modo como preparar cada ingrediente, como aromatizar cada molho, como, enfim, arrumar tudo na panela, aberta e disponível, transformando em lume brando um Caos aparentemente sem solução numa Ordem Sagrada onde tudo, com tempo e amor, acabava por encontrar uma deliciosa solução.

E o maior elogio que já recebi não foram os habituais e previsíveis “Que delícia!“Tens muito jeito!” “Mas que sabor requintado!” Não. O maior elogio que já recebi foi simples, e, como todas as coisas simples, tocante e mágico: “Sabes, Pai, estas migas com carne de porco sabem mesmo às migas da avó Rosa”. 

In "O Montemorense", Março de 2016

5 comentários:

samuel disse...

E nunca houve melhores migas... nem maior elogio!
É uma verdade que (quase) toda a gente sabe... :-)

Anónimo disse...

que bonito e tocante elogio! o melhor de todos, sem dúvida!
nunca irei ter a emoção de reconhecimento igual. os meus filhos, não chegaram a conhecer a avó. quem sabe um dia as minhas netas…?...
obrigada por esta doce e bonita partilha.
resto de boa e tranquila semana
beijocassss
maria

Manuel Roque disse...

Raízes que nos tocam e que para sempre farão parte de nós, ajudando-nos a caminhar e a ultrapassar os obstáculos que, dia-a-dia, vão surgindo em cada esquina da vida...
Que se saboreie um bom prato de as migas e que se fomente a amizade.

Abraço João, extensivo à família.

Unknown disse...

Foram tão emocionantes as tuas palavras, porque a saudade daquele rosto e daquela presença nas nossas vidas é tão grande. Sabes, acho que as nossas Mães deviam ser eternas. Obrigada pela tua partilha. E hoje no dia do pai, também eles são tão preciosos nas nossas vidas, nunca nos deviam deixar....beijinho grande João Luís, com carinho, Custódia Maria

olimpio rosa disse...

Saboreei cada palavra com o requinte da memória, sábias palavras de quem sabe escrever com a alma e o coração, e para enternecer mais a digestão da minha saudosa memória, não é que a minha mãe o seu nome era Rosa, e eu já ouvi as mesmas palavras mas em ementa diferente. Obrigada meu caro amigo por me dar oportunidade de saborear esta delicia de texto. Um grande abraço

Distraídos crónicos...


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