(Foto: Rádio Nova Antena)
Falar do que nos preocupa neste momento torna-se inútil, porque o momento é efémero, há muito que fazer e ninguém tem tempo para ouvir o que temos para dizer. No entanto, as palavras registadas continuam a ser a estratégia mais eficaz para, nem que seja daqui por cem anos, haver gente a ler o escrevemos hoje sobre o que nos preocupa. Digo isto, porque cada vez mais tenho a sensação, quase certeza, de que o que se diz hoje só é lido daqui a uns tempos, quando o que hoje nos preocupa já não tiver importância nenhuma, porque, na melhor das hipóteses, todas as questões foram resolvidas.
E o que é que me preocupa hoje? O que me impele a escrever estas linhas breves e despretensiosas, neste momento, igualmente breve? Para além de pensar nos naturais, e por vezes incontornáveis, contratempos domésticos, dou comigo a cismar com o mundo, com as catástrofes, os acidentes, as consequências da estupidez do homem. À porta do escritório (obrigado, Paul Auster) aparece-me um Trump, com as suas diatribes completamente loucas, um Putin, com o seu pragmatismo ameaçador, um miúdo mimado da Coreia do Norte, acenando-me com os seus caprichos nucleares, seguido de meia-dúzia de parolos com vénias e aplausos. Depois, passo para o país, o nosso, engalanado com as cores do optimismo, com um ministro das finanças que é presidente do Eurogrupo, com um ex-primeiro ministro que é secretário-geral das Nações Unidas, com um presidente da república que é um tipo fixolas e que sabe como agradar a gregos e a troianos; um país quase feliz, com sorriso de totó, por causa do défice que desce e do emprego que sobe e com uma Oposição aborrecidíssima, porque acha que não há muito para dizer. E António Costa confirma: se exceptuarmos os incêndios e as mortes, as perdas e a devastação, a Raríssimas, o BES, a EDP, as munições de Tancos, a expulsão antecipada da Procuradora, a eleição de Rio para grande chefe dos laranjas... está tudo nos conformes. E, atrás, lá vem meia-dúzia de parolos a aplaudir.
Depois, como se fosse uma águia, vinda bem lá de cima, sobrevoando a minha cidade, aproximo-me e vejo esta aldeia que se chama Montemor e que, apesar das últimas promessas eleitorais, continua a ter questões graves por resolver. Aponto, quase inconscientemente, os binóculos ao Castelo a precisar de intervenção; ao Centro Histórico com edifícios em ruínas, e onde, mais tarde ou mais cedo, vai acontecer o pior; ao muro do velho Jardim Público, esventrado como uma baleia já putrefacta que deu à costa quase há dois anos; às ruas e aos largos pouco tratados, onde se torna impossível caminhar em segurança, devido ao péssimo empedramento dos passeios, que mais parecem uma praia da Ilha da Madeira; às pinturas e colagens descaracterizadoras, em edifícios públicos; aos estacionamentos mal ordenados, que permitem que haja carros quase dentro das habitações de alguns munícipes; e, finalmente, ao rio, ao meu Rio, cada vez mais sujo, poluído e seco, numa agonia longa e sem solução por falta de vontade de quem mais pode.
Depois, aponto o meu olhar à alma dos meus conterrâneos e noto que houve tempos em que os sorrisos já foram mais abertos, porque era muito maior o orgulho que sentiam pela sua terra, pela cidade e pelo concelho, que deviam garantir emprego aos filhos e que não garantem, obrigando, todos os dias, a partidas para longe dos que, sem alternativa, vão procurar trabalho e outras vidas. Vejo a aflição dos pequenos comerciantes, cada vez mais sufocados pela concorrência desenfreada das grandes superfícies…
Reparo, por fim, no cansaço que começa a abater-se sobre todos nós e no metafórico (ou real) encolher de ombros dos políticos – mundiais, nacionais - que, claramente, não estão capacitados para resolver os nossos problemas com a urgência necessária e dentro do tempo útil que as necessidades exigem. Mas esses, ainda que importantes, ficam longe do nosso humilde alcance. Agora, os nossos, estes, de longe bem mais próximos de nós, deveriam ter para com os seus munícipes outro tipo de responsabilidade, para que, quem vier a ler, mais tarde, o que hoje escrevemos, possa dizer que Montemor é, finalmente, o espaço que merecíamos ter.
Bom 2018. A gente vai-se cumprimentando por aí. E falando destas coisas... enquanto pudermos.
* Cântico Negro (José Régio)
João Luís Nabo, in "O Montemorense", Janeiro de 2018
Sem comentários:
Enviar um comentário