Foto: TIVOLI
Acordei cedo num destes dias e fui, sem dizer a ninguém cá em casa (para quê
acordá-los, não é?) passear pela cidade. Evitei o circo das obras, porque não me apetece
ver os estaleiros em que a zona do Jardim Público se transformou (sim, eu sei
que é necessário e tal… mas tenho o direito de não querer ver, pronto), e fui a pé até
lá abaixo, ao meu antigo bairro, o Bairro de São Pedro, o mais carismático de
sempre, desde que Montemor foi Vila, até hoje, que dizem que é cidade. Passei,
inevitavelmente, pela casa onde os meus pais viveram mais de
cinquenta anos e onde cresci e vivi até ser homem. Não me preocupei com o que mudou
nem com o que ficou. Recordei-me, isso sim, que foi ali naquela casa, ao lado,
primeiro, da
minha vizinha Chica Borrazeiro e, depois, durante longos anos, com a minha prima
Toneca Caldeira como vizinha, onde dormi, comi, brinquei e amei, onde aprendi, com os meus
Pais e com todos os Vizinhos, o que, muitos dos que nos governam, jamais aprenderam. Por momentos,
fiquei sem saber o que pensar da Vida que, observada daquele pequeno recanto,
com quintal e tudo, enfeitado outrora com primor
pelos vasos de flores da minha Mãe, se transformou numa outra bem mais dura e tantas vezes mais do que
alucinante. Não que ela me tenha sido madrasta. Nada disso. Tive
sorte na minha infância e também tive essa sorte na minha idade mais madura.
Fui à Universidade, num tempo em que filho de comerciante ou de camionista deveria ser comerciante ou camionista como o pai, sentindo o peso da responsabilidade
desses meus estudos por ver a minha Mãe a assumir o seu primeiro emprego, com 40
anos, para o filho poder andar a estudar em Lisboa.
E fui, e vi mas não venci. Não
venci nesse tempo, nem venci hoje, porque sinto sempre este desassossego
pessoano que não me deixa viver tranquilo. E menos tranquilo fico quando reparo
em tantos com que me vou cruzando que, satisfeitos com a vida, tranquilos na sua
rotina, se recusam a fazer mais por si e pelos outros, varrendo para debaixo do
tapete o lixo que foram acumulando no decorrer dos dias.
Tenho saudades da minha infância.
Foi por isso que fui ao meu velho bairro. Não porque hoje seja infeliz. Não
posso sê-lo com tudo o que a vida me deu e, apesar de tudo o que
vida me foi tirando. Não é isso. Só que, na infância, tudo o que dizia e fazia
não tinha um propósito fixo, premeditado ou combinado. Era natural o meu
pensamento como o era o dos meus amigos dessa altura. E é por isso que sinto
saudades da minha infância, da inocência e dos amigos inocentes como eu. Porque
hoje, as palavras que dizemos são medidas, pesadas, articuladas em frases bem pensadas, alinhadas
e só depois lançadas com o cuidado necessário para que o seu peso não se abata
sobre… nós próprios. Mas o que se torna curioso é que, por vezes, não são as
palavras que têm peso. São as pessoas que as proferem. Ainda assim, não perdi
totalmente essa inocência dos dias passados. Ainda assim, a frontalidade e a
verticalidade que me deixaram os meus pais e os meus sogros por herança,
herança mais valiosa que qualquer conta bancária recheada, são ainda, e irão
continuar a ser, o pano de fundo onde me movo e onde quero que os meus se
movam. São esses princípios o nosso báculo, o nosso encosto, a nossa defesa e o
nosso ataque.
Por isso, nunca poderia ser um
Ministro qualquer de um qualquer Costa, de um Passos perdido ou de um Portas
estrela de cinema.
3 comentários:
Caro Amigo João Luís,
que belo texto, você transportou-me à minha infância e que recordações e que carinho, apesar de hoje ser feliz.
Um abraço
José de Matos Júnior
Caro João Luís
A minha infância foi outra,foi a minha e como revivi a minha nostalgia desse tempo através das suas genuinas palavras! Será que gostaria de voltar a essa infância? Não,decerto que não e, contudo, ela acompanhou-me ao longo de toda a minha vida...que bom! MJS
João Luís,consigo visualizar a moldura dessa foto e o lugar que ocupava na tua casa, outrora também minha, quantas memórias, que saudades desses tempos, fomos tão felizes, ainda hoje somos, mas as coisas ficaram mais sérias e com mais responsabilidades, perdemos pessoas que amávamos, mas deixaram-nos os valores e as pessoas que hoje somos... Um beijinho, adorei o teu texto, cada palavra, obrigada.
Custódia Maria
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