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O balanço do ano
que passou é igual ao balanço do ano anterior e podíamos ficar por aqui, porque
chega, repetidamente, de falar de coisas aborrecidas, dramáticas para muitos,
que nos surpreenderam a meio das nossas vidas, sem pedir permissão para entrar.
Como uma espécie de tia-avó, chatinha e com mau hálito, que tivesse decidido
aparecer por tempo indeterminado. Ainda assim, já arrisquei uma breve reflexão
que plasmei nas redes sociais e que posso muito bem partilhar aqui com os meus
nove leitores, sempre à espera de novidades. Pois, acho que concordam comigo. A
pandemia veio pôr à prova muitas das nossas forças, da nossa paciência, da
confiança em nós próprios e nos outros, acabando também por reforçar a nossa
autoestima e a confiança e a amizade nos que nos rodeiam e connosco convivem nesta
prolongada crise.
Os acontecimentos
sucederam-se, com os políticos completamente apanhados de surpresa, a cometerem
erros uns atrás dos outros, porque também eles, tal como nós, nunca se tinham
visto confrontados com tal situação. E é preciso dar-lhes esse benefício da
dúvida, essa margem de manobra onde tentam, e disso não tenho dúvida, combater
e levar-nos a combater a grande guerra das nossas vidas. Nem por um dia queria
eu estar nos seus difíceis lugares de decisão e de controlo desta pandemia e de
outras pandemias crónicas.
Ainda assim, foram
quase 24 meses de incertezas, de doença, de mortes de amigos e familiares, que nos
mantiveram constantemente em estado de alerta e não nos deixaram indiferentes.
Durante estes dois estranhos anos que passaram, perdemos e ganhámos, tivemos
sucessos e fracassos, fomos muitos seres diferentes num só, espartilhados entre
decisões acertadas e outras completamente disparatadas, amámos e ignorámos,
defendemos e atacámos, fomos crentes e ateus, trabalhadores e preguiçosos,
criativos e obtusos, rimos e fizemos rir, ensinámos e aprendemos, escrevemos
livros e lemos muitos mais, plantámos árvores, criámos animais domésticos,
cantámos e fizemos cantar obras imortais, fomos duros connosco e com os outros,
fomos suaves no trato, tolerantes e intolerantes, disponíveis e encerrados em
nós próprios. Fechámos portas que precisavam de ser fechadas e abrimos outras
que precisavam de ser abertas, mimámos velhos amigos, que estão sempre onde
precisamos deles, e fizemos novos, daqueles tão raros e improváveis que
queremos que fiquem connosco até nós já sermos velhinhos, até eles já serem
velhinhos, porque também eles passaram a estar no sítio certo, à hora certa. Em
suma, fomos humanos, com todas as nossas glórias e misérias. E, imaginem os
meus amigos, até cá em casa apanhámos Covid, apesar dos cuidados, das máscaras
e do gel, das vacinas e dos testes… para logo de seguida sermos inundados de
mimos nos mais diversos formatos, motivados pela preocupação de quem cuida.
Por isso, estamos
gratos a todos os que fazem parte da nossa História de Vida. Continuamos firmes
e prontos para continuar a amar esta cidade e cada átomo da nossa existência.
Mas há a Dúvida. A
Dúvida, esse grão de areia que se enfia na nossa corrente sanguínea e nos mói
até à exaustão. A Dúvida continua, porém: até quando viveremos assim, entre
testes e vacinas, confinamentos e saídas precárias? Até quando teremos esta
nossa vida transformada permanentemente em meia-vida? Até quando teremos de
esperar até voltarmos à nossa vida em pleno, tantas vezes simples e sem glória,
mas sem vírus e sem a espada de Dâmocles sobre as nossas cabeças? “Até
quando, Catilina, abusarás da nossas paciência? Por quanto tempo a tua loucura
há-de zombar de nós?”
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E o que falta
referir ainda? As próximas eleições legislativas e as absurdas dezenas de
debates televisivos, claro! Tudo em contra-relógio, tudo com os minutos
contados, tudo muito atabalhoado, com os candidatos às Legislativas a
degladiarem-se como putos reguilas no recreio da escola, porque o meu telemóvel
novo é melhor do que o teu.
Os ataques
pessoais sobem de tom, deixando para segundo plano a procura de soluções para o
país que, neste momento, precisa urgentemente de soluções e não de mais
problemas. Costa não me parece bem na foto nesta novela das eleições. Está
constantemente a assumir a pose de virgem ofendida, como quem diz: “Chumbaram-me
o Orçamento, agora aguentem!” Parecendo crianças mimadas de volta do mesmo
brinquedo, os nossos políticos, ao contrário de uma das mães na história do Rei
Salomão, querem um país dividido, estraçalhado, onde não se note a diferença
entre a esquerda e a direita, e sem deixar claro até onde pode ir o valor
político de homens, que tanto fazem acordos parlamentares ou
extra-parlamentares, pré-eleitorais ou pós-eleitorais com um qualquer, desde
que isso lhes dê acesso ao poder. São imagens que nos confundem mas que não nos
surpreendem.
O pessoal que põe
o voto nas urnas dá-se melhor com a Cristina Ferreira e as suas cobaias, com os
programas televisivos da manhã e da tarde, os tais das desgraças, onde se
expõem intimidades de cidadãos comuns perante um público ávido de sangue e de
lágrimas.
Tal como termina
George Orwell no seu icónico Animal Farm (O Triunfo dos Porcos,
na sua primeira versão em língua portuguesa e, por acaso, uma tradução de
qualidade discutível) “as criaturas olhavam de um porco para um homem, de um
homem para um porco e de um porco para um homem outra vez, mas já era
impossível distinguir quem era homem e quem era porco.”
Sim, somos o país
que somos, quase meio século depois de uma certa Revolução. Onde “todos são
iguais mas onde há uns mais iguais que outros”. Temos, pois, os
políticos que merecemos.
Os jovens que
tomem conta disto, porque os velhos já não conseguem deixar de olhar para o seu
próprio umbigo e nem forças têm para levantar as taças de champanhe já com
sabor a outros tempos que não deviam voltar.
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