segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Os porcos e os homens




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O balanço do ano que passou é igual ao balanço do ano anterior e podíamos ficar por aqui, porque chega, repetidamente, de falar de coisas aborrecidas, dramáticas para muitos, que nos surpreenderam a meio das nossas vidas, sem pedir permissão para entrar. Como uma espécie de tia-avó, chatinha e com mau hálito, que tivesse decidido aparecer por tempo indeterminado. Ainda assim, já arrisquei uma breve reflexão que plasmei nas redes sociais e que posso muito bem partilhar aqui com os meus nove leitores, sempre à espera de novidades. Pois, acho que concordam comigo. A pandemia veio pôr à prova muitas das nossas forças, da nossa paciência, da confiança em nós próprios e nos outros, acabando também por reforçar a nossa autoestima e a confiança e a amizade nos que nos rodeiam e connosco convivem nesta prolongada crise.

Os acontecimentos sucederam-se, com os políticos completamente apanhados de surpresa, a cometerem erros uns atrás dos outros, porque também eles, tal como nós, nunca se tinham visto confrontados com tal situação. E é preciso dar-lhes esse benefício da dúvida, essa margem de manobra onde tentam, e disso não tenho dúvida, combater e levar-nos a combater a grande guerra das nossas vidas. Nem por um dia queria eu estar nos seus difíceis lugares de decisão e de controlo desta pandemia e de outras pandemias crónicas.

Ainda assim, foram quase 24 meses de incertezas, de doença, de mortes de amigos e familiares, que nos mantiveram constantemente em estado de alerta e não nos deixaram indiferentes. Durante estes dois estranhos anos que passaram, perdemos e ganhámos, tivemos sucessos e fracassos, fomos muitos seres diferentes num só, espartilhados entre decisões acertadas e outras completamente disparatadas, amámos e ignorámos, defendemos e atacámos, fomos crentes e ateus, trabalhadores e preguiçosos, criativos e obtusos, rimos e fizemos rir, ensinámos e aprendemos, escrevemos livros e lemos muitos mais, plantámos árvores, criámos animais domésticos, cantámos e fizemos cantar obras imortais, fomos duros connosco e com os outros, fomos suaves no trato, tolerantes e intolerantes, disponíveis e encerrados em nós próprios. Fechámos portas que precisavam de ser fechadas e abrimos outras que precisavam de ser abertas, mimámos velhos amigos, que estão sempre onde precisamos deles, e fizemos novos, daqueles tão raros e improváveis que queremos que fiquem connosco até nós já sermos velhinhos, até eles já serem velhinhos, porque também eles passaram a estar no sítio certo, à hora certa. Em suma, fomos humanos, com todas as nossas glórias e misérias. E, imaginem os meus amigos, até cá em casa apanhámos Covid, apesar dos cuidados, das máscaras e do gel, das vacinas e dos testes… para logo de seguida sermos inundados de mimos nos mais diversos formatos, motivados pela preocupação de quem cuida.

Por isso, estamos gratos a todos os que fazem parte da nossa História de Vida. Continuamos firmes e prontos para continuar a amar esta cidade e cada átomo da nossa existência.

Mas há a Dúvida. A Dúvida, esse grão de areia que se enfia na nossa corrente sanguínea e nos mói até à exaustão. A Dúvida continua, porém: até quando viveremos assim, entre testes e vacinas, confinamentos e saídas precárias? Até quando teremos esta nossa vida transformada permanentemente em meia-vida? Até quando teremos de esperar até voltarmos à nossa vida em pleno, tantas vezes simples e sem glória, mas sem vírus e sem a espada de Dâmocles sobre as nossas cabeças? “Até quando, Catilina, abusarás da nossas paciência? Por quanto tempo a tua loucura há-de zombar de nós?”

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E o que falta referir ainda? As próximas eleições legislativas e as absurdas dezenas de debates televisivos, claro! Tudo em contra-relógio, tudo com os minutos contados, tudo muito atabalhoado, com os candidatos às Legislativas a degladiarem-se como putos reguilas no recreio da escola, porque o meu telemóvel novo é melhor do que o teu.

Os ataques pessoais sobem de tom, deixando para segundo plano a procura de soluções para o país que, neste momento, precisa urgentemente de soluções e não de mais problemas. Costa não me parece bem na foto nesta novela das eleições. Está constantemente a assumir a pose de virgem ofendida, como quem diz: “Chumbaram-me o Orçamento, agora aguentem!” Parecendo crianças mimadas de volta do mesmo brinquedo, os nossos políticos, ao contrário de uma das mães na história do Rei Salomão, querem um país dividido, estraçalhado, onde não se note a diferença entre a esquerda e a direita, e sem deixar claro até onde pode ir o valor político de homens, que tanto fazem acordos parlamentares ou extra-parlamentares, pré-eleitorais ou pós-eleitorais com um qualquer, desde que isso lhes dê acesso ao poder. São imagens que nos confundem mas que não nos surpreendem.

O pessoal que põe o voto nas urnas dá-se melhor com a Cristina Ferreira e as suas cobaias, com os programas televisivos da manhã e da tarde, os tais das desgraças, onde se expõem intimidades de cidadãos comuns perante um público ávido de sangue e de lágrimas.

Tal como termina George Orwell no seu icónico Animal Farm (O Triunfo dos Porcos, na sua primeira versão em língua portuguesa e, por acaso, uma tradução de qualidade discutível) “as criaturas olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez, mas já era impossível distinguir quem era homem e quem era porco.”

Sim, somos o país que somos, quase meio século depois de uma certa Revolução. Onde “todos são iguais mas onde há uns mais iguais que outros”. Temos, pois, os políticos que merecemos.

Os jovens que tomem conta disto, porque os velhos já não conseguem deixar de olhar para o seu próprio umbigo e nem forças têm para levantar as taças de champanhe já com sabor a outros tempos que não deviam voltar.

 

 

 

 

 

 


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Distraídos crónicos...


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