segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Um cafezinho com o Papa

 

            


I         

Um cafezinho com o Papa

 Se Sua Santidade, o Papa Francisco, aceitasse tomar um cafezinho com o autor destas breves linhas, aqui em Montemor, no Alkimia, por exemplo, ou noutro lado qualquer, tenho a certeza de que iria, na sua forma humilde com que conquistou o mundo católico e não católico, querer saber sempre a verdade das coisas sobre o tão célebre palco-altar que vão construir para a sua grande missa campal e para a reunião daqueles milhares de jovens que ali se vão juntar, mesmo à beira-Tejo, nas Jornadas Mundiais da Juventude.

Podia safar-me a essas perguntas embaraçosas e dizer-lhe para interrogar o Moedas, o Medina, o Sá Fernandes, o Costa ou mesmo o Marcelo, que parece saber mais do assunto do que aqueles todos juntos... Contudo, sei que eles não lhe iriam contar a verdade toda.

Beberricando o néctar escurecido e aromático, observando o pessoal que por ali passava, Francisco iria ficar a saber, dito por mim, que sou português há uma data de anos, que aquela triste cena do altar-palco foi tão somente o resultado da nossa forma de sermos… portugueses: vaidosos, exibicionistas, com complexos do velho império, que, tal como muitos que conhecemos, preferem dar pão com manteiga aos filhos o mês inteiro, mas garantir a sua presença em todos os jogos do clube do seu coração.

Cinco milhões de euros para receber Sua Santidade naquele espaço, mas com muitas centenas de sem-abrigo a dormirem nas estações do metro de Lisboa e do Porto, com milhares de famílias sem rendimentos suficientes para porem comida na mesa e terem uma casa devidamente habitável, com milhares de desempregados, com centenas de migrantes, explorados aqui, no Alentejo, mesmo ao lado das nossas terras, com crianças com necessidades especiais a precisarem de meios adequados para viverem uma existência digna, com dezenas de instituições de solidariedade sem dinheiro para pagarem aos seus trabalhadores e para poderem proporcionar uns dias menos tristes aos seus utentes. Não faria sentido...

Até aqui, Sua Santidade, pela bondade que lhe conhecemos, nada teria dito ainda, para não me interromper, porque é bom ouvinte e porque me queria escutar até ao fim. Falava-lhe depois na TAP (teria de ser) e na vergonhosa indemnização que recebeu uma tal Xana que, segundo parece, vai mesmo ficar com a massinha. E naquela outra, que fala francês e inglês do Pólo Norte, mas que se está marimbando para os sotaques, porque irá ficar milionária para o restinho da sua inútil vidinha.

Então, Sua Santidade, fazendo sinal ao Luís para lhe trazer outro cafezinho, olharia para mim e diria, na sua simplicidade que todo o clero deveria assumir, na sua singeleza que todos os seus seguidores deveriam imitar: “Meu filho, se eu soubesse desta vergonha, talvez não tivesse vindo”. “Vinha, sim, Sua Santidade!”, respondia-lhe eu, sempre do lado da solução. “Eu tenho uma varanda que dá para uma das ruas mais movimentadas da minha cidade e, daí, Sua Santidade poderia dizer umas palavras a todos nós, aos meus vizinhos, gente simples, de trabalho, alguns de oração (não é bem o meu caso, desculpe), e depois, se houvesse tempo, iríamos bater um petisco ao cafezinho da Isabel Abelha que faz umas iscas de borrego de comer e chorar por mais.

“Poupavam-se uns milhares, Juanito!”, diria ele, colando a palma da sua mão alva  e santa na minha. “É verdade, Santidade! É a mais pura das verdades!” 

Quando me levantasse para pagar os cafés, o representante de Cristo diria: “Não, hoje... pago eu! Quando fores ao Vaticano… pagas tu! E, se não te importas, vais levar-me as tais iscazinhas da Isabel! Acho que vou gostar! Ah! E leva o teu Balú!! É o cão mais espectacular que conheci!! Vai adorar correr por aqueles corredores sem fim!

  

II

Os professores e os alunos


A pouco tempo de deixar o ensino, saio preocupado com o que lá vou deixar. Ensinar nos dias de hoje nada tem a ver com aquilo que era feito quando, em 1983, com vinte e dois anos, comecei a trabalhar com a juventude dentro de uma sala de aula. “Faltam-lhe ao respeito?”, perguntarão. “São arrogantes?” “Armam confusão nas suas aulas?”. A resposta é não a todas as três perguntas que, porventura, me terão feito. Eu também não lhes falto ao respeito, também não sou arrogante e também não armo confusão. Estamos bem uns para os outros. No entanto, sinto que a vontade de aprender daquela malta nova já não é a mesma da de antigamente, o que nos obriga a criar novas estratégias, novos “truques” para que os programas do ministério fiquem, minimamente, na cabeça da criançada. 

Mas estamos num momento em que há necessidade de mudança. Não só em termos das exigências da classe dos professores e dos auxiliares de educação, mas em termos das matérias que os alunos devem saber para a vida. Cá em casa, vive-se intensamente o ensino, os jovens, os seus problemas escolares e familiares, a procura de soluções para minimizar todas essas problemáticas, que acabam por arrastar outras questões atrás de si. O problema é que parte das matérias que o ministério tem nos programas que lhes temos de leccionar nada tem a ver com a vida real, nada ajudam a enfrentar o mundo do trabalho e não preparam, muitas vezes, nem para a vida académica, nem para a vida profissional de cada um deles. Continuamos, porque somos obrigados a isso, a levar os alunos a estudar o que pouco vai interessar para os seus cursos universitários ou para poderem ser bons profissionais numa caixa de supermercado.

Os bom profissionais, como eu espalho tantas vezes nas cabecinhas daqueles inocentes,  são como a boa música. Não interessa o género. Interessa é a qualidade.

 

III

Vêm aí os “Segredos de Vila Nova”


Sim, parece que vem aí um livrinho que vai divertir (e perturbar) os leitores. “Segredos de Vila Nova” é o título das vinte e quatro histórias, todas elas passadas neste lugar do Alentejo e que já têm a equipa pronta a entrar em cena: revisor, fotógrafo, designer, prefaciador e, claro, as Edições Colibri, do meu amigo Fernando Mão de Ferro, a editora que me dá toda a liberdade de que a minha mente, tantas vezes em desassossego, vai precisando. E não posso contar mais nada. Vão ter de ler para ficar a conhecer esta Vila Nova que tanto amamos, mas que tanto criticamos por dá cá aquela palha. No entanto, para satisfazer a curiosidade e saber se alguns dos vossos segredos, caros leitores, vão ser ali revelados… vão ter de esperar ainda uns bons mesitos.

            João Luís Nabo

In "O Montemorense", Fevereiro de 2023

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