Primeira
Comecemos pelos
mais pequeninos. Exactamente, as criancinhas que começam a mandar nos pais, nos
avós e nas educadoras, logo assim que começam a balbuciar as primeiras palavras.
Em tempos idos, e
não quero dizer que dantes é que era bom, nada disso, não éramos nós, as criancinhas,
que definíamos o dia-a-dia da família. Nós, os pequeninos, adaptávamos os
nossos quereres às regras estabelecidas pelos nossos pais, pelos nossos
padrinhos (uma figura extraordinariamente importante na nossa educação) ou
pelos nossos avós, elementos incontornáveis na nossa vida.
Os compromissos familiares
eram cumpridos como se algo de sagrado se tratasse e, independentemente da
idade do infante, fazíamos o que as famílias costumavam fazer: almoçar ou
jantar todos juntos em épocas festivas, passear, ir aos aniversários uns dos
outros, passar férias, todos ao molho e com fé nos deuses. Enfim, não havia
restrições, nem medos, nem complexos, nem ansiedades. Aliás, os nossos país
tinham métodos eficazes para tratarem os nossos ataques de mau feitio, as
nossas manias, os nossos chiliques e depressões.
Com a filharada cá
de casa aconteceu o mesmo: as regras da família eram para ser cumpridas, às
horas marcadas, com prazer e alegria. Claro que, hoje, já adultos, acabam por
fazer a sua vida, mas a família continua a ser, acredito eu, o pilar, o
pretexto para estarmos juntos, a discutir o que vier para cima da mesa, qualquer
que seja o tema. Nada fica no prato a arrefecer, porque por aqui não há tabus: o
que está enleado desenleia-se e nada fica por dizer.
Acho que os pais
de hoje, jovens, alimentados pelas teorias das escolas do Dr. Google e
preocupados com o futuro e segurança dos filhos (o que é natural e de aplaudir),
se angustiam em demasia e esquecem que, um dia, os filhos, irão cair de borco num
mundo-cão que não lhes perdoa caprichos ou birras de ocasião. Nem faltas de
pontualidade.
Segunda
Falei há pouco com
um amigo que me disse que tinha deixado a escola cedo demais, porque não era
feliz na sala de aula. A conversa era leve e apareceu no meio de outras que
costumamos ter. Mas aquela frase deixou-me a pensar: e hoje, os alunos
sentem-se felizes numa sala de aula? Não terão possibilidade de aprender tudo o
que necessitam por outros meios? Acreditem, caros leitores, que não sei responder
a estas perguntas.
O conhecimento,
essencial para o nosso desenvolvimento como seres sociais e úteis à comunidade
onde vivemos, pode ser adquirido de muitas formas, e hoje, com a Internet,
tudo se pode estudar, analisar e aprender. Há, contudo, um problema que inviabiliza
a legitimidade dessa aprendizagem. A aquisição de conhecimentos deve ser feita
de forma organizada, lógica, de acordo com a faixa etária do aluno e, talvez o
mais importante, ser legitimada por alguém que se preparou durante anos para
isso: o professor.
Por isso, porque,
muitas vezes, o que o professor explica já não é novidade para muitos deles, a infelicidade
de alguns alunos numa sala de aula não deve jamais ser desvalorizada. Urge
adaptar as práticas pedagógicas, as matérias e os programas às novas gerações
de estudantes que, mais do que demasiada
teoria, necessitam (e o mundo fora da escola também) saber qual a aplicação
prática do que aprendem dentro do recinto escolar. Está na hora de se repensar
os currículos de todas as disciplinas e, sobretudo, de direccionar os alunos
para as áreas de conhecimento onde se sentem realizados nas respectivas
aprendizagens e nas descobertas que elas lhes proporcionam.
As gerações de velhos
professores, que falavam de cima da cátedra para quem quisesse ou fosse capaz
de aprender, já quase terminou, felizmente. A sala de aula é hoje um espaço de
debate e de inclusão, onde todos podem e devem participar. Para isso, é fundamental
a motivação, o interesse, a curiosidade, a vontade de aprender e a consciência
da utilidade dessas mesmas aprendizagens.
A questão é continuarmos
a viver o velho problema de não se oferecer aos alunos as áreas adequadas ao
seu perfil, aos seus gostos e às suas capacidades. Se isso fosse possível
(bastava haver vontade política), revolucionava-se a escola e o país. E talvez
se acabasse com essa infelicidade de muitos deles. E talvez esse meu amigo tivesse
acabado a sua escolaridade.
Terceira
Fico incomodado
quando percebo que vivemos, todos nós, a maior parte da nossa vida com medo. E que
tem sido esse medo que os políticos, todos, antes e depois de Abril de 74, têm
usado para controlar os nossos dias.
Antes da
Revolução, os nossos pais e avós, tios e tias sentiam uma enorme angústia,
permanente e desgastante, porque o sistema político vigente, e que se aguentou
48 anos, não lhes permitia ser felizes. Havia o medo de falar, o medo de escrever,
o medo de pensar, o medo de agir. Tempos de terror inimaginável para os muitos
portugueses, e montemorenses, que foram levados pelos esbirros de Salazar e trancados
no Aljube, em Caxias, em Peniche ou degredados para o Tarrafal. Torturas,
sevícias de todo o género, humilhações, sofrimento, morte – tudo passaram estas
mulheres e estes homens, em nome da liberdade e em luta pelos direitos de todos
os portugueses.
Hoje, quase meio-século
após a revolução, continuamos a viver com medo. Medo de um retorno ao passado,
com os partidos de direita a conquistarem espaço no espectro político-partidário,
medo de não termos rendimentos suficientes para pagar as mensalidades da casa
ao banco, medo de que comece a faltar alguma comida em cima da mesa, medo de
uma doença que nos leve ou que afaste de nós, para sempre, familiares e amigos,
medo de não vivermos o suficiente para criarmos os nossos filhos e ajudarmos a
criar os nossos netos. Medo de termos uma avaria no carro, no esquentador ou na
máquina de lavar roupa. Medo de faltar dinheiro para pagar os seguros, o IMI e
o IUC ou as propinas dos filhos, a estudarem na universidade.
Enfim, pelas
evidências que nos chegam todos os dias a casa através da televisão, temos a
certeza de que esta permanente sensação de insegurança e angústia se vai prolongar
pelos meses que aí vêm.
E o Governo de Costa, com cada vez mais “casos e casinhos”, a rir-se de nós todos. Como se fôssemos todos parvos.
João Luís Nabo
In "O Montemorense", Abril de 2023
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