Tenho um piano desde os meus dezoito anos. Foi, e é ainda, uma das minhas grandes paixões. Não apenas pela música que ele me tem permitido tocar nestas quatro décadas e meia, mas pela sua história e pelo espaço que tal instrumento foi conquistando na família.
Segundo umas
investigações do meu amigo Ulf Ding, extraordinário pianista e construtor/afinador
de pianos, o meu é de 1935, vencedor de vários concursos, e, calculem, foi de
viagem até ao Brasil, de barco, onde passou uma temporada para, depois, regressar
a Portugal onde o fui encontrar, numa propriedade perto de Coruche. O meu pai,
sempre presente na minha vida, ao testemunhar (a princípio, um bocadinho
contrariado) a minha paixão pela música, decidiu oferecer-me aquele
instrumento, pressionado também pela minha querida professora de piano, Isabel
Joaquina da Cruz, que lhe disse que sim, que valia apena o miúdo continuar a
estudar a bela arte dos sons.
E assim foi. Feito
o negócio com o proprietário, serviu de prolongada companhia à minha Mãe,
também sempre na minha memória, e aos meus queridos vizinhos Toneca, Custódio, Jorge e
Custódia Maria Cachola (a primeira pequena cantora que eu acompanhei ao piano) que,
no nosso querido Bairro de São Pedro, dificilmente se desabituaram dos sons
diários, quando me casei e trouxe aquele tesouro para a minha casa nova, na
parte alta da Vila.
Ficou por ali um
vazio. E ficou cheia a minha casa nova. E mais cheia ficou com o nascimento dos
meus três filhos, que se habituaram a ver e a ouvir o pai a tocar todos ou
quase todos os dias. Com eles, começou a praticar-se cá em casa uma Praxe muito
simples, quase um ritual, porque isto da música é uma religião e os músicos são
os seus sacerdotes: todas as crianças nascidas na família teriam de passar uns
bons momentos a explorar o teclado do piano, a descobrir sons, melodias,
dissonâncias, conforme a força e a agilidade dos seus dedinhos pequenininhos e
rechonchudos. O João, a Joana e o Pedro foram os primeiros candidatos a pianistas
sem, contudo, termos conseguido esse desiderato. Deram outros voos, igualmente
extraordinários.
Depois, começaram
a sentar-se naquele banco, para além da filharada, os sobrinhos, o Ricardo
Romeiras, o João Pedro, a Marianinha e, mais tarde, os filhos dos sobrinhos, o
Duarte, a Carminho, a Benedita… Também amigos e os filhos deles… Outros
passaram por ali, de forma mais séria e cheia de compromisso, não foi Pedro,
Paulo, Vera e Francisco? Até amigos adultos e sem tacto nenhum para a música se
sentaram naquele banco e se divertiram a brincar com os sons… (A Sónia, o
Ricardo e o Luís são exemplos disso mesmo, ainda que contrariem, hoje e sempre,
a minha análise.)
E hoje, quando há
uma ou outra visita da miudagem, quase todos apontam para o alto da escada e
pedem para ir tocar no velho piano que a todos hipnotiza. E os que não vêm cá a
casa, passam pela Igreja da Misericórdia com os pais-cantores, onde, minutos
antes do início do ensaio do Coral de São Domingos, há sempre um bocadinho
delicioso para estudar uma nova melodia com a pequenada e ver as mãos do
Gustavo, do Tiago, do Dinis e do Jaiminho, pequeninas mas cada vez mais soltas
e ousadas.
Segredos de Vila Nova
São histórias de épocas diferentes, nas quais
desfilam largas dezenas de personagens que, aos poucos, conduzem o leitor ao
conto derradeiro, o último e definitivo, onde um segredo de uma amplitude muito
maior é, finalmente, revelado.
Vamos, então, ler sobre os vícios e as virtudes, as
traições e as lealdades, a vida e a morte, os ódios e as paixões avassaladoras
de quem vive numa terra como esta, nesta Vila Nova, tão bela à distância mas
tão perversa quando dela nos aproximamos.”
Boas Férias.
Nota importante: Se
estava à espera que eu fosse escrever sobre o Banquete Manuelino… enganou-se. Antes
de férias, só consigo escrever sobre coisas descomplicadas... e fofinhas.
João Luís Nabo
In "O Montemorense", Julho de 2023
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