sexta-feira, 14 de julho de 2023

Antes de férias

 

 



O Piano do Tio Johnny

          Tenho um piano desde os meus dezoito anos. Foi, e é ainda, uma das minhas grandes paixões. Não apenas pela música que ele me tem permitido tocar nestas quatro décadas e meia, mas pela sua história e pelo espaço que tal instrumento foi conquistando na família.

Segundo umas investigações do meu amigo Ulf Ding, extraordinário pianista e construtor/afinador de pianos, o meu é de 1935, vencedor de vários concursos, e, calculem, foi de viagem até ao Brasil, de barco, onde passou uma temporada para, depois, regressar a Portugal onde o fui encontrar, numa propriedade perto de Coruche. O meu pai, sempre presente na minha vida, ao testemunhar (a princípio, um bocadinho contrariado) a minha paixão pela música, decidiu oferecer-me aquele instrumento, pressionado também pela minha querida professora de piano, Isabel Joaquina da Cruz, que lhe disse que sim, que valia apena o miúdo continuar a estudar a bela arte dos sons.

E assim foi. Feito o negócio com o proprietário, serviu de prolongada companhia à minha Mãe, também sempre na minha memória, e aos meus queridos vizinhos Toneca, Custódio, Jorge e Custódia Maria Cachola (a primeira pequena cantora que eu acompanhei ao piano) que, no nosso querido Bairro de São Pedro, dificilmente se desabituaram dos sons diários, quando me casei e trouxe aquele tesouro para a minha casa nova, na parte alta da Vila.

Ficou por ali um vazio. E ficou cheia a minha casa nova. E mais cheia ficou com o nascimento dos meus três filhos, que se habituaram a ver e a ouvir o pai a tocar todos ou quase todos os dias. Com eles, começou a praticar-se cá em casa uma Praxe muito simples, quase um ritual, porque isto da música é uma religião e os músicos são os seus sacerdotes: todas as crianças nascidas na família teriam de passar uns bons momentos a explorar o teclado do piano, a descobrir sons, melodias, dissonâncias, conforme a força e a agilidade dos seus dedinhos pequenininhos e rechonchudos. O João, a Joana e o Pedro foram os primeiros candidatos a pianistas sem, contudo, termos conseguido esse desiderato. Deram outros voos, igualmente extraordinários.

Depois, começaram a sentar-se naquele banco, para além da filharada, os sobrinhos, o Ricardo Romeiras, o João Pedro, a Marianinha e, mais tarde, os filhos dos sobrinhos, o Duarte, a Carminho, a Benedita… Também amigos e os filhos deles… Outros passaram por ali, de forma mais séria e cheia de compromisso, não foi Pedro, Paulo, Vera e Francisco? Até amigos adultos e sem tacto nenhum para a música se sentaram naquele banco e se divertiram a brincar com os sons… (A Sónia, o Ricardo e o Luís são exemplos disso mesmo, ainda que contrariem, hoje e sempre, a minha análise.)

E hoje, quando há uma ou outra visita da miudagem, quase todos apontam para o alto da escada e pedem para ir tocar no velho piano que a todos hipnotiza. E os que não vêm cá a casa, passam pela Igreja da Misericórdia com os pais-cantores, onde, minutos antes do início do ensaio do Coral de São Domingos, há sempre um bocadinho delicioso para estudar uma nova melodia com a pequenada e ver as mãos do Gustavo, do Tiago, do Dinis e do Jaiminho, pequeninas mas cada vez mais soltas e ousadas.

                                                 

                                      Segredos de Vila Nova

 Este subtítulo deveria estar escrito entre aspas. Porque é o nome de uma colecção de história inimagináveis e com finais absolutamente inesperados que me foram passando pela cabeça no último ano. Algum dos meus oito leitores tem segredos? Daqueles contados por amigos do peito e a quem prometeram nunca revelar a ninguém? Pois, também o autor do livro entrou de posse de vinte e quatro segredos e acabou por transformá-los noutras tantas histórias que o leitor irá explorar, tentando descobrir qual é o segredo mais próximo do seu. O livrinho está neste momento em fase de revisões, a capa já está definida e trabalhada e, lá para Outubro ou Novembro, ficarão todos a saber quais são os “Segredos de Vila Nova”. Não se esqueça: um pode ser o seu. O prefácio foi escrito pelo meu amigo, jornalista e professor universitário, Pedro Coelho. Fica aqui a sinopse para aguçar o apetite aos meus leitores mais fervorosos:  

 Vila Nova tem segredos das mais variadas espécies e origens, que muitos dos seus habitantes conhecem sem, no entanto, sentirem coragem suficiente para os revelar. O receio das consequências deste seu acto de bravura confunde-se com o medo provocado pelo vidro de que são feitos os seus próprios telhados.

São histórias de épocas diferentes, nas quais desfilam largas dezenas de personagens que, aos poucos, conduzem o leitor ao conto derradeiro, o último e definitivo, onde um segredo de uma amplitude muito maior é, finalmente, revelado.

Vamos, então, ler sobre os vícios e as virtudes, as traições e as lealdades, a vida e a morte, os ódios e as paixões avassaladoras de quem vive numa terra como esta, nesta Vila Nova, tão bela à distância mas tão perversa quando dela nos aproximamos.”

 As Edições Colibri e o Fernando, meu editor, continuam, inexplicavelmente, a acreditar em mim.

Boas Férias.

Nota importante: Se estava à espera que eu fosse escrever sobre o Banquete Manuelino… enganou-se. Antes de férias, só consigo escrever sobre coisas descomplicadas... e fofinhas.


João Luís Nabo

In "O Montemorense", Julho de 2023

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Distraídos crónicos...


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