terça-feira, 12 de setembro de 2023

Duas notas breves

 




Francisco

 

Muito se escreveu sobre a vinda do Papa Francisco a Portugal e sobre a Jornada Mundial da Juventude. Já muito se tinha escrito sobre o Papa Francisco e sobre o dedo que ele começou a pôr nas feridas da Igreja, logo no início do seu pontificado. Veio, logo que foi eleito, parece-nos, escancarar a porta que João Paulo II tinha deixado entreaberta. Meio disfarçados até então, os escândalos de pedofilia no seio da Igreja são assumidos sem meias tintas e condenados por Bergoglio, que quer justiça para as vítimas e duras penas para os que vierem a ser condenados.

Mas não foi apenas com estes casos que o seu tempo na cadeira de Pedro se tem revelado inspirador e profícuo. A sua forma de entender os evangelhos, reescrevendo-os sempre que se pronuncia sobre a vida de todos nós, crentes e não crentes, mostra-nos que o tempo, as leis, as mentalidades no tempo de Cristo, e nos séculos antes da Sua vinda, não se podem aplicar e serem entendidos da mesma forma, à luz deste século XXI, que corre vertiginoso ao nosso lado. Francisco transformou o Deus Todo-Poderoso e vingativo do Antigo Testamento num Pai compreensivo e tolerante que eu não conheci quando, criança, andava na catequese. O Deus castigador, que, qual Big Brother de Orwell, andava sempre de olho nas nossas acções, nos nossos pensamentos e nos nossos desejos, é hoje, nas palavras de Francisco, um Pai que, como todos os bons pais, aceita todos os seus filhos, por muito desviados que possam andar dos caminhos que a Igreja decidiu classificar como os caminhos do Bem.

Se o Papa Francisco fosse Deus, personalizado e livre de todos os insondáveis mistérios com que, ao longo dos séculos, os homens da Igreja O cobriram, eu repensaria as minhas opções de fé e reformularia as minhas vivências espirituais. Mas enquanto na Igreja não houver uma real e generalizada prática dos ensinamentos deste verdadeiro homem de Deus… continuarei a admirá-lo, a defendê-lo e a seguir o seu pensamento… mas do lado de fora. 

 

António e Marcelo

 

            Portugal, esta nossa pátria “muito amada”, é um país sem rumo e sem políticos capazes de fazerem deste pequeno território um exemplo perante todos os outros do planeta: a economia está exponencialmente… a estagnar. As fábricas ficam sem matérias-primas para os seus produtos. Os combustíveis aumentam, assim como o preço de tudo o que deles depende: bens alimentares, luz, gás... Os professores continuam a lutar pelos seus direitos, porque nunca, em tempo algum, no decorrer desta democracia, trataram tão mal uma das classes profissionais mais importantes e imprescindíveis à nossa sobrevivência. Os médicos do Serviço Nacional de Saúde continuam mal pagos e desrespeitados pelas tutelas. Os doentes fazem fila nos centros de saúde sem saberem se são ou não consultados pelo seu médico de família. As reformas de grande parte dos portugueses não são suficientes para as despesas da casa e ainda mais para os medicamentos e outras emergências. Os estudantes universitários conquistam com o seu esforço um lugar nas universidades mas, depois, os pais não têm dinheiro para o alojamento e para as propinas. Há cérebros enormes e utilíssimos ao país que são obrigados a ir embora para outras paragens onde o seu valor seja verdadeiramente reconhecido. As bolsas e os financiamentos de projectos de investigação são interrompidos nas universidades portuguesas sem se saber os motivos. Os montes e vales deste país estão queimados pelos fogos de Verão, que se repetem anualmente com consequências gravíssimas para tudo o que é ser vivo. As barragens e as albufeiras, os rios, os ribeiros, as reservas de água, estão a deixar ver o fundo, com resultados nefastos para a agricultura, pecuária e consumo humano. Continuam a viver e a dormir na rua, nas grandes cidades do país, independentemente das estações do ano, centenas e centenas de sem-abrigo, sem comida, sem dinheiro, sem tecto, sem futuro, muitos deles vítimas das políticas de habitação e de emprego que atiram para a rua quem, até então, tinha uma vida digna e razoavelmente feliz. (Põe-se um Presidente da República a distribuir sopa aos pobrezinhos, como se isso fosse a solução certa para resolver o problema.) Alimenta-se uma guerra no centro da Europa, respeitando os protocolos de auxílio e outras cenas impostas pela Nato, colocando o país à mercê de um míssil mal-parado do senhor Putin, que poderá atingir, quer a Ponte sobre o Tejo, quer o Castelo de Montemor. Figurões nacionais fazem figurinhas tristes em cenários de guerra, quando deveriam estar preocupados com o que se passa no seu próprio país. A extrema-direita portuguesa continua a ganhar terreno, não devido a mérito próprio mas pelo demérito da esquerda, que continua dividida e orgulhosa e a permitir que, aos poucos, tudo regresse ao que estava, enquanto caminhamos vertiginosamente para o cinquentenário do 25 de Abril.

            Tudo isto poderia ser resolvido, com tempo e com empenho. A questão é que os nossos políticos não têm nem uma coisa nem outra. Há escândalos nos gabinetes ministeriais, há gatunos à solta, a gozarem com o Zé Povinho, que já nem sequer tem força para lhes fazer um manguito. Os ricos aumentam de número e os pobres também. Mais explicações para quê?

Muitos de nós, patrióticos e amantes deste território que já foi de tantos estrangeiros, começamos a ficar cansados de sermos portugueses. Sobretudo quando o assunto nas televisões é, de manhã à noite, o amuo do nosso Primeiro-ministro no Conselho de Estado.

João Luís Brejo Nabo

In "O Montemorense", Setembro de 2023 


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