As minhas férias foram
absolutamente normais. Como as férias da maioria dos portugueses. Com um ou outro
constrangimento, mas nada de maior importância.
A minha cidade fica sempre diferente nesta época do ano.
Isto porque deixamos de encontrar com tanta frequência as mesmas pessoas,
usamos roupas claras e leves, interrompendo por umas semanas o nosso visual de
alentejanos que pouco se importam com a moda e, muito importante também,
acabamos sempre por dar de caras com gentes de outras paragens (cada vez em
maior quantidade, é verdade) que passam por aqui em turismo ou que assentaram residência
temporária ou definitiva na nossa cidade ou no nosso concelho, por questões de
trabalho.
Pois foram normais as
minhas feriazinhas. Com passeios pela cidade, descarada ausência no ginásio,
encontros com amigos, um ou outro petisco na Sede da Columbófila e, também lá,
o meu Martini das onze e meia, dia sim, dia não, para além de umas sestas, umas
leituras, umas escritas, enfim… o normal. Contudo, “para respirares outros
ares que não só os da Torre do Relógio”, como diz o meu Grilo Falante, até
estive uns dias na praia na companhia de gente boa e paciente (a minha mulher e
a minha filha). Na praia. Leram bem. Eu faço tudo por elas. Ah, pois é! E como
foram esses dias de veraneio, sem planos especiais e com muitas horas na mesma
posição do Menino Jesus (nas palhinhas deitado, nas palhinhas estendido)?
Se não tivessem sido os
gritinhos irritantes das velhinhas, quando uma onda lhes subia pela pernoca; se
não existissem os homens das bolas de Berlim, constantemente com aquele grito “Boliiiiiiiinhaaaaas!!!!”,
mesmo junto ao nosso ouvido bom, alguns deles com uma campainha que retinia ao
som dos seus passos pelo areal; se os Salvadores e os Santiagos, os Martins e
os Afonsos tivessem ficado em casa com as mamãs, que ainda gritam mais do que
eles; se os telemóveis tivessem sido proibidos à entrada da praia; se os cães e
os donos dos cães tivessem ficado numa praia só para eles, a dez quilómetros da
minha; se os malucos da salsa, da rumba e sei lá mais do quê tivessem ido
dançar para a Floresta Amazónica e tivessem levado com eles aquela coluna de
som que, de certeza, se ouvia em Pequim; se os guarda-sóis dos meus vizinhos, mal
enterrados na areia (os guarda-sóis, não os vizinhos), não me tivessem acertado
sete ou oito vezes em plena sesta, depois de um almocinho de dieta; se a água
do mar pudesse ser aquecida rodando um botão, assim como num esquentador; se os
jovens adolescentes não se armassem em parvos para as namoradas, fazendo surf
e bobyboard e sei lá que mais, ao som dos gritos das suas hormonas
saltitantes; se os Salvadores e os Santiagos, os Martins e os Afonsos, com
pouco mais de três extraordinários e sonoros aninhos, dormissem o dia todo, a
toque de ritalina e outras cenas que os pais lhes dão antes de irem para a
escola, e não fizessem corridas nem jogos de raquetes a toda a hora, saltando
por cima de mim e das minhas companheiras de férias como se estivessem a correr
os 100 metros barreiras… Se eu tivesse ficado na minha sala, fresca e
silenciosa e com uma televisão cheia de filmes e séries para desfrutar…
…Então, as minhas férias teriam sido o Paraíso, meus filhos[1]
Os novos montemorenses
Há
um novo grupo, já com alguma dimensão (embora eu não possua dados concretos
sobre isso), que veio para Montemor, como poderia ter desaguado noutra terra deste
Alentejo. Os migrantes com quem nos cruzamos diariamente vieram à procura de
paz e de trabalho. Não sei se a Autarquia já o fez e, se assim é, deixo aqui o
meu aplauso, mas seria urgente a criação de um Gabinete de Apoio ao Migrante, constituído
por uma equipa multidisciplinar que preste auxílio a quem chega a Montemor praticamente
com a roupa que tem no corpo: ajuda com a língua, a documentação, a matrícula
dos filhos nas escolas, a procura de casa e de trabalho digno. Somos, cada vez
mais, uma cidade cosmopolita, com cidadãos de variados países do mundo que
precisam de se sentir incluídos e felizes. Já basta a distância que os separa
da família e dos amigos, das vivências culturais dos seus países de origem. Já
basta o terem sido perseguidos e maltratados pelos seus próprios governos. Já
basta terem fugido à guerra e à fome. Já basta tudo isso.
Nos anos
sessenta e setenta, para escaparem à miséria, ao salazarismo que parecia eterno
e à guerra no Ultramar, milhares de portugueses rumaram, sabe Deus em que
condições, em direcção à França, à Alemanha, à Suíça, aos Estados Unidos…
Refizeram as suas vidas, com muito trabalho e, quantas vezes, a viverem em
condições desumanas, e deram um futuro aos filhos e netos. Ainda hoje
continuamos a emigrar, noutras condições, é certo, mas sentimos sempre aquele
desejo de vermos os portugueses como nós a serem respeitados nas suas capacidades
e na sua dignidade como qualquer outro cidadão do mundo.
Montemor,
tal como o nosso Alentejo, sabe receber as gentes que vêm de fora. E se somos
calorosos, genuínos e magnânimos em momentos de festa, que o sejamos também
nestes momentos de aflição. Nunca saberemos se, um dia, não somos nós a procurar
uma vida melhor a milhares de quilómetros da nossa terra.
[1] Homenagem ao poeta britânico
Rudyard Kipling (1865-1936) e ao seu poema “If”.
João Luís Nabo
In "O Montemorense" , Setembro de 2024
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