segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

O Coralista, esse Soldado Desconhecido... e outras notas

 





Nota prévia: o texto podia, com ligeiras alterações, ter como título “O Filarmónico, esse Soldado Desconhecido”.

Aos meus amigos filarmónicos da Banda da Sociedade Carlista, da Banda Simão da Veiga, de Lavre, da Banda da Casa do Povo de Cabrela, da Banda Filarmónica Municipal de Redondo e da Banda Musical de Freixo de Numão (Vila Nova de Foz Côa), também a minha homenagem.

                                                                                        

O Coralista, esse soldado desconhecido

             Um Coralista é um soldado desconhecido, um ilustre anónimo, um herói sem coroa de louros, que dá tudo o que tem sem nada pedir em troca, a não ser o sucesso do Coro do qual faz parte integrante.

            Construir uma obra de raiz, seja mais clássica, mais popular ou mais contemporânea, exige tempo, esforço, entrega e substância, essa massa interior que se transforma em arte. Para isso, precisa de um Coralista generoso, empenhado, altruísta, paciente. Um ser humano abnegado que ofereça a voz, o tempo, a disponibilidade, a boa vontade. Esse Coralista, que todos vêem mas ninguém conhece, coloca o Coro à frente de outros interesses, tem a coragem de deixar temporariamente a família, a casa, outros amigos, várias vezes por semana, para, imaginem só o desplante, ir para os ensaios e cantar em coro. Essas apresentações fazem-se, não poucas vezes, em palcos espalhados um pouco pela geografia do nosso mundo, em igrejas, templos que albergam por momentos o ritual dos sons e das melodias que constituem esta religião especial e única chamada Música e que tem milhões de fiéis em todo o planeta.

O Coralista vive momentos únicos, respira em uníssono com mais vinte ou trinta como ele, e liberta emoções          que só a prática do canto em grupo pode proporcionar. Depois de cada concerto, após minutos gloriosos de muito trabalho e total entrega, surgem os aplausos do público, dirigidos não ao Coralista Desconhecido mas ao colectivo, ao grupo. Então, o Coralista, discretamente, em silêncio, mede a plateia com o olhar e com o coração, agradece em segredo o entusiasmo dos aplausos, sabendo que nunca ninguém vai saber um dia o seu nome. Porque outro nome se eleva nesse momento e sempre mais alto que todos os nomes: o do Coro a que pertence.

Quando, nos tempos que correm, o ser humano se expõe e exibe voluntariamente nas redes sociais, com fotos, vídeos e textos centrados na sua imagem, nos seus êxitos, nas suas escolhas gastronómicas e turísticas, no seu nome e no restante da sua vida privada, o Coralista, pelo contrário, anula-se voluntariamente em cada concerto, pensando apenas no grupo, no resultado final e na melhor forma de fazer do seu coro o melhor Coro do Mundo.

Ao pensar sempre nos outros, esquecendo-se de si próprio mas oferecendo o melhor de si, um Coralista será sempre um Soldado Desconhecido, um Anónimo Feliz, a fazer do seu Coro o melhor Coral da Rua Direita.

  

A Guerra ali à esquina


O Mundo vive e respira longos momentos de incerteza e angústia, dependente que está das intenções, dos interesses dos senhores da guerra e da sua inabalável fome de vingança pelos graves solavancos da História – o colapso da União Soviética, a implosão dos regimes comunistas, a ingerência dos Estados Unidos nos Governos e nos Estados do Médio Oriente e da América Latina, ocupações, invasões, questões territoriais, raciais e religiosas que levaram a dramáticas crises humanitárias ininterruptas.

Meia dúzia de cérebros doentes decidem quem vai morrer e quem vai viver. Um cidadão comum é, quase sempre, julgado e condenado pelos crimes cometidos. Os senhores da guerra já o deveriam ter sido. A ONU, a EU e outras entidades e organismos não têm, claramente, o poder e a força, a capacidade diplomática de levar a efeito a hercúlea tarefa de convencer as partes beligerantes a assinarem protocolos e acordos que tornem o Mundo mais seguro.

Não sabemos até quando poderemos dormir tranquilamente nas nossas camas, em nossas casas, nesta Vila Nova e em todas as vilas novas deste país.

 

Lá vamos nós outra vez… mas com classe!


Chegada esta altura, fatal como o destino, e lá vai o pessoal começar a gastar mais dinheiro em prendinhas de Natal. Detesto a expressão “prendinhas de Natal” ou “Vá lá, é apenas um apontamento simbólico. O que conta é a intenção.” Não gosto desta forma de ver as coisas. Cá em casa não passamos por essa vergonha, nem que os ambientes familiares e de amigos nos obriguem. Não. Nem pensar. Temos alguns pergaminhos a defender! Reparem os meus oito leitores se não gostariam de pertencer à minha família e aparecer, tal como nós, em tudo o que é revista!?

Os presentes de Natal (“prenda” é um regionalismo da periferia) já estão todos comprados: um carro novo, de alta cilindrada, para cada um dos três filhos, vinhos caros (200 €/garrafinha, no mínimo), para todos os amigos e familiares, vouchers no valor de 1.000 € para cada sobrinho(a), colecções completas de jogos para o(a)s sobrinho(a)s pequeninos(as), uma semana numa cidade europeia à escolha para o autor destas linhas e sua discreta esposa e, last but not least, a oferta de um osso de ouro (24 kilatezinhos) ao melhor Balú do planeta…

 …Vou parar a escrita. Estou a sentir um toque, ligeiro e fofo, no ombro direito, um abanãozinho, breve e tímido, no braço do mesmo lado, uma carícia, lenta e escorregadia, no farto cabelo grisalho: “Acorda, amor! Vai começar o telejornal!”

Era a Fofa, que se sentou ao meu lado depois de acrescentar mais um pauzinho na lareira, fazendo, de passagem, uma festa ao Balú adormecido. E acrescentou: “Comprei as prendinhas para os amigos e família. São só uns apontamentos simbólicos. O que conta é a intenção…”

Abri o olho esquerdo, depois o direito, e voltei a fechá-los com força, determinado a continuar a minha soneca até à chegada dos Reis Magos. O Balú, esse nem deu pelo terror que habitava a minha alma[1].


João Luís Nabo

In "O Montemorense" Dezembro de 2024

[1] “The terror is not of Germany, but of the soul” (Edgar Allan Poe, in Tales of the Grotesque and Arabesque)

2 comentários:

Anónimo disse...

Lamento imenso, pelo Balú, por não poder roer o seu "osso precioso"

Lena Regina disse...

Lamento imenso, pelo Balú, por não poder saborear "o osso precioso"

Distraídos crónicos...


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