Os meus alunos da Escola Secundária nunca leram um texto sobre eles, escrito por mim. Mas vão ler agora, caso possam ou queiram. Não vou falar de nenhum em particular. Nem podia. Falo de todos. Dos meus… dos nossos, porque há colegas de ofício que vão rever-se nestas linhas.
Ensinar, seja que matéria for, é cada vez mais complexo e requer da parte do professor a energia e a imaginação suficientes para provar aos alunos, ao vivo e a cores, que vale a pena aprender aquilo que ali se ensina. O que torna a questão do ensino mais complexa (e mais fascinante em termos pedagógicos e sociológicos) é que nem o professor nem o aluno estão ali sozinhos. Isto é, eles são apenas, tanto um como o outro, a ponta do icebergue que esconde anos de experiência, de vivências, de estudo (muito ou pouco) e de relacionamento com o mundo, com os outros, sendo, tanto alunos, como professores, portadores de universos ricos e facilmente partilháveis. E é aqui que entra o mundo lá fora e, sobretudo, a Família, responsável esta, tantas vezes, pelo nosso estado de espírito e pelo estado de espírito dos que ali estão à nossa frente. É que as famílias dos nossos alunos são como as nossas: podem ter momentos de felicidade ou momentos de profunda tristeza. E isso reflecte-se, obviamente, na formação da rapaziada e na forma como “recebem” as matérias daquele dia.
Não é fácil dar a volta à questão. Quando olhamos para uma turma de 25 alunos, vemos rostos, carteiras, livros, canetas, mochilas… Queremos todos atentos, pontuais, livros abertos, canetas prontas a tomar notas ou a apontar alguma ideia mais brilhante que o professor possa ter ou que o ministério nos manda ter. Olhamos mas não vemos, porque raramente vislumbramos o que está para além de tudo isso. Queremos que todos ouçam da mesma maneira, que todos escrevam ao mesmo tempo, que todos aprendam por igual o que vamos transmitindo e, durante 90 minutos, esquecemo-nos de todos os “bocadinhos” de que o aluno é feito. Aqui me penitencio, porque também eu me esqueço. Na segunda idade dos porquês, as suas preocupações são muito mais importantes do que a Conquista de Ceuta, a precipitação média anual na Floresta Amazónica, a Voz Passiva Idiomática em Inglês ou em Francês, os Sistemas de Duas Equações ou a função do narrador n’Os Maias do grande Eça.
E eis que surge o grande problema que nós, professores, não conseguimos resolver: os nossos alunos precisam cada vez mais de nós e os governantes cada vez nos dão menos tempo para estarmos com eles. Ainda assim, apesar do pouco tempo de partilha genuína, é de todo fundamental aprender com eles algumas lições de vida impressionantes. Umas, complicadas e difíceis de digerir. Outras, mais simples, mas não por isso menos profundas. Como esta: há uns anos, depois de ter tentado decifrar a custo a caligrafia de um aluno, muito parecida com uma emaranhada escrita árabe, comentei na última página do teste, a vermelho e de forma destacada: “Deves ter mais cuidado com a letra”. No final da aula, o aluno pediu para falar comigo. “O que se passa?”, perguntei. O aluno mostrou-me o teste, apontou para o meu irritado comentário e disse-me: “Desculpe, professor, mas não consigo perceber a sua letra.”