Nota
prévia: o texto podia, com ligeiras alterações, ter como título “O
Filarmónico, esse Soldado Desconhecido”.
Aos meus amigos filarmónicos da Banda da Sociedade
Carlista, da Banda Simão da Veiga, de Lavre, da Banda da Casa do Povo de
Cabrela, da Banda Filarmónica Municipal de Redondo e da Banda Musical de Freixo
de Numão (Vila Nova de Foz Côa), também a minha homenagem.
O Coralista, esse
soldado desconhecido
Um Coralista é um soldado
desconhecido, um ilustre anónimo, um herói sem coroa de louros, que dá tudo o
que tem sem nada pedir em troca, a não ser o sucesso do Coro do qual faz parte
integrante.
Construir uma obra de raiz, seja
mais clássica, mais popular ou mais contemporânea, exige tempo, esforço,
entrega e substância, essa massa interior que se transforma em arte. Para isso,
precisa de um Coralista generoso, empenhado, altruísta, paciente. Um ser humano
abnegado que ofereça a voz, o tempo, a disponibilidade, a boa vontade. Esse
Coralista, que todos vêem mas ninguém conhece, coloca o Coro à frente de outros
interesses, tem a coragem de deixar temporariamente a família, a casa, outros
amigos, várias vezes por semana, para, imaginem só o desplante, ir para os
ensaios e cantar em coro. Essas apresentações fazem-se, não poucas vezes, em
palcos espalhados um pouco pela geografia do nosso mundo, em igrejas, templos
que albergam por momentos o ritual dos sons e das melodias que constituem esta
religião especial e única chamada Música e que tem milhões de fiéis em todo o
planeta.
O Coralista vive
momentos únicos, respira em uníssono com mais vinte ou trinta como ele, e liberta
emoções que só a prática do canto
em grupo pode proporcionar. Depois de cada concerto, após minutos gloriosos de muito
trabalho e total entrega, surgem os aplausos do público, dirigidos não ao
Coralista Desconhecido mas ao colectivo, ao grupo. Então, o Coralista,
discretamente, em silêncio, mede a plateia com o olhar e com o coração,
agradece em segredo o entusiasmo dos aplausos, sabendo que nunca ninguém vai
saber um dia o seu nome. Porque outro nome se eleva nesse momento e sempre mais
alto que todos os nomes: o do Coro a que pertence.
Quando, nos tempos
que correm, o ser humano se expõe e exibe voluntariamente nas redes sociais,
com fotos, vídeos e textos centrados na sua imagem, nos seus êxitos, nas suas
escolhas gastronómicas e turísticas, no seu nome e no restante da sua vida
privada, o Coralista, pelo contrário, anula-se voluntariamente em cada
concerto, pensando apenas no grupo, no resultado final e na melhor forma de
fazer do seu coro o melhor Coro do Mundo.
Ao pensar sempre
nos outros, esquecendo-se de si próprio mas oferecendo o melhor de si, um
Coralista será sempre um Soldado Desconhecido, um Anónimo Feliz, a fazer do seu
Coro o melhor Coral da Rua Direita.
A
Guerra ali à esquina
O Mundo vive e
respira longos momentos de incerteza e angústia, dependente que está das
intenções, dos interesses dos senhores da guerra e da sua inabalável fome de
vingança pelos graves solavancos da História – o colapso da União Soviética, a
implosão dos regimes comunistas, a ingerência dos Estados Unidos nos Governos e
nos Estados do Médio Oriente e da América Latina, ocupações, invasões, questões
territoriais, raciais e religiosas que levaram a dramáticas crises humanitárias
ininterruptas.
Meia dúzia de
cérebros doentes decidem quem vai morrer e quem vai viver. Um cidadão comum é,
quase sempre, julgado e condenado pelos crimes cometidos. Os senhores da guerra
já o deveriam ter sido. A ONU, a EU e outras entidades e organismos não têm,
claramente, o poder e a força, a capacidade diplomática de levar a efeito a hercúlea
tarefa de convencer as partes beligerantes a assinarem protocolos e acordos que
tornem o Mundo mais seguro.
Não sabemos até
quando poderemos dormir tranquilamente nas nossas camas, em nossas casas, nesta
Vila Nova e em todas as vilas novas deste país.
Lá
vamos nós outra vez… mas com classe!
Chegada esta
altura, fatal como o destino, e lá vai o pessoal começar a gastar mais dinheiro
em prendinhas de Natal. Detesto a expressão “prendinhas de Natal” ou “Vá
lá, é apenas um apontamento simbólico. O que conta é a intenção.” Não gosto
desta forma de ver as coisas. Cá em casa não passamos por essa vergonha, nem
que os ambientes familiares e de amigos nos obriguem. Não. Nem pensar. Temos
alguns pergaminhos a defender! Reparem os meus oito leitores se não gostariam
de pertencer à minha família e aparecer, tal como nós, em tudo o que é
revista!?
Os presentes de
Natal (“prenda” é um regionalismo da periferia) já estão todos comprados: um
carro novo, de alta cilindrada, para cada um dos três filhos, vinhos caros (200
€/garrafinha, no mínimo), para todos os amigos e familiares, vouchers no
valor de 1.000 € para cada sobrinho(a), colecções completas de jogos para o(a)s
sobrinho(a)s pequeninos(as), uma semana numa cidade europeia à escolha para o
autor destas linhas e sua discreta esposa e, last but not least,
a oferta de um osso de ouro (24 kilatezinhos) ao melhor Balú do planeta…
…Vou parar a
escrita. Estou a sentir um toque, ligeiro e fofo, no ombro direito, um
abanãozinho, breve e tímido, no braço do mesmo lado, uma carícia, lenta e
escorregadia, no farto cabelo grisalho: “Acorda, amor! Vai começar o
telejornal!”
Era a Fofa, que se
sentou ao meu lado depois de acrescentar mais um pauzinho na lareira, fazendo,
de passagem, uma festa ao Balú adormecido. E acrescentou: “Comprei as
prendinhas para os amigos e família. São só uns apontamentos simbólicos. O que
conta é a intenção…”
Abri o olho
esquerdo, depois o direito, e voltei a fechá-los com força, determinado a
continuar a minha soneca até à chegada dos Reis Magos. O Balú, esse nem deu
pelo terror que habitava a minha alma.
João Luís Nabo
In "O Montemorense" Dezembro de 2024