quinta-feira, 15 de abril de 2021

Oh, meu menino!

 




É a justiça, meu menino!

            O início deste mês foi causador de imensas dores de cabeça à democracia, à justiça, ao Partido Socialista, ao José Sócrates e ao juiz Ivo Rosa. E para que eu não fique também com umas dores de cabeça valentes, declaro que tudo o que vou escrever a partir deste sagrado momento está protegido pelo conceito do “alegadamente”, porque senão, como diria Ricardo Araújo Pereira, seria eu o único (e ele também, já agora) a ir preso.

Ninguém percebeu por que é que de trinta e um crimes de que Sócrates estava acusado pelo Ministério Público todos ficaram reduzidos a pó. Todos, não. Seis – belos alegados crimes – seis vão ainda ser discutidos em tribunal e, depois, logo se verá. Tal como grande parte dos portugueses, também eu estou incrédulo com esta profunda e quase inexplicável diferença de opinião entre Ivo Rosa e o Procurador Jorge Rosário Teixeira. Queria acreditar que esta meia-dúzia de anos que mediou entre a detenção de Sócrates no aeroporto de Lisboa, em Novembro de 2014, e a exaustiva leitura feita, no dia 12 de Abril, pelo magistrado, teriam sido suficientes para, comprovadamente, apresentar ao país os motivos pelos quais o ex-primeiro ministro de Portugal deveria ser julgado. Não entenderam assim. Ivo Rosa passou um atestado de incompetência ao Ministério Público e deu novas forças ao alegado arguido para levantar ainda mais a sua voz a clamar inocência. Contudo, houve crimes, e ambos o admitiram, que já prescreveram. Só não prescreveram as multas de trânsito do meu compadre Jiló, nem se distraem os senhores dos bancos que chamam logo lá o pessoal quando se tem, por exemplo, 46 cêntimos negativos na conta bancária. (Quarenta e seis cêntimos!?? Que horror! Este cliente é um criminoso!! E logo no BES!!! Que vergonha!! Olhem lá o boss Ricardo Salgado, sempre tão cumpridor!)

Pois é, meu menino: este país não é para gente séria. Este país não é para gente sem padrinhos. Este país é um pagode chinês. Este país ainda vai ser a chacota da Comunidade Sul-Americana Europeia. Este país ainda vai ser (já o é) o paraíso de Al Capone. E de Bonnie e Clyde, também.

 

 

É o desconfinamento, meu menino!

 

Desconfinar, desconfinar, desconfinar é o verbo mais utilizado nos últimos dias pelos políticos e por nós, cidadãos comuns, fartos de casa, cansados do computador, dos filhos, das sogras, dos periquitos das sogras, ansiosos por atestar o depósito do Renault 5 e ir até à Barragem dos Minutos fazer peões no pó da estrada do paredão, com o habitáculo cheio de rapaziada, e gritar que somos livres!

Nós somos assim. Assumimos que tudo o que de mau acontece… é aos outros que acontece. E relaxamos os cuidados, relaxamos o elástico da máscara, relaxamos a besuntadela das mãos, relaxamos a distância, porque temos saudades do calor humano. Porque, se vamos desconfinar, é porque as coisas estão a correr bem e o que é preciso é recuperar o tempo perdido. Ó gente da minha terra (esta parte é para ser cantada, como faz a Mariza), tenham lá calminha. Vão às esplanadas com uma alegria mais ou menos comedida e não desatem a dar abraços uns aos outros como se não houvesse amanhã. Se um de vocês é portador do vírus, está a cantareira armada.

Ah, e se quiseres juntar-te com as namoradas, meu menino, junta-te com uma de cada vez. É mais seguro… por todos os motivos.

Eu acredito que será desta, com a vacina a ajudar, que vamos caminhando em direcção à liberdade, dando passos firmes ao encontro da recuperação lenta e parcial, mas segura, da nossa vida. E há quem precise urgentemente disso mesmo.

 

 

 

É uma história de Vila Nova, meu menino!

 

Publiquei recentemente na minha página do Facebook um breve texto onde apresentava o meu novo livro, quase a sair. Porque era importante deixar registado o reconhecimento e a amizade em que assentou toda a produção do romance que fala de Abril e das muitas coisas que aconteceram para que Abril acontecesse. E escrevi, mais ou menos, assim. Mais ou menos, porque foram necessárias as devidas alterações para transformar uma simples publicação, breve e prática, numa rede social, num texto a que os meus alunos pudessem chamar crónica:

Um dia, conto a história de um livro como este. Desde a ideia inicial, passando pelas madrugadas de solidão em perseguição da história que queremos contar, pelas mil páginas rasgadas, pelas leituras, pela pesquisa, pelas conversas com amigos, pelas mensagens enviadas em desespero, pelas mensagens recebidas em apoio incondicional e... pela memória.

O romance Sertório, uma história de Vila Nova é o resultado de tudo isto, mas é, sobretudo, o transformar em ficção o que aprendi com o meu Pai, António Manuel, com a minha Mãe, Rosa Maria, com o meus Sogros, Nita e Valério, com o João Machado, todos de saudosa e suave memória, com o Manuel Filipe Vieira, com a minha Mulher, Belinha, com todos os meus professores e todos os meus alunos e todos os meus amigos, que não me dão descanso e que todos os dias me ensinam que o mais importante é aceitar as diferenças e deixar atrás de nós o nosso exemplo como cidadãos livres e tolerantes, em tudo o que fazemos. E sei, tenho a mais absoluta das certezas, que os meus filhos João, Joana e Pedro beberam de mim e da Mãe estes valores que, um dia, deixarão aos nossos netos e a todos os que vierem depois.

Sertório é um romance para toda esta gente que gosta de mim e que está comigo, é um hino à Liberdade, é um violento ‘não’ à intolerância e à ditadura das ideias, e é, acima de tudo, uma homenagem aos que, um dia, foram torturados e mortos para que hoje, este livro, parido com sofrimento, fosse possível. Todos eles estão retratados nas personagens que construi e que povoam este universo ficcional de Vila Nova, mas que é, sem sombra de dúvida, o nosso espaço e a nossa vida passada e futura.


João Luís Nabo

 In "O Montemorense", Abril de 2021

 

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Distraídos crónicos...


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