(Foto: Vidas ao Minuto)
I
Sentados confortavelmente nos nossos
sofás, continuamos a assistir ao massacre do povo ucraniano sem conseguirmos
vislumbrar um fim para este conflito, que tem tanto de absurdo como de
tenebroso. O ser humano continua a surpreender-nos pela negativa, e quando
pensávamos, tranquilamente, que as atrocidades cometidas por Hitler durante os seis
anos da Segunda Grande Guerra jamais se iriam repetir nos tempos mais próximos
na Europa, eis que um novo senhor da guerra surge das estepes russas e desafia
cinicamente e sem hesitações uma Europa actualmente pacífica e em permanente
construção.
Também não poderíamos pensar que o
velho e bolorento conceito do “orgulhosamente sós”, ostentado por Salazar
quando se referia à ofensiva portuguesa nas colónias de África, quando o resto
dos países colonizadores tinham já iniciado a desocupação dos territórios de
além-mar, voltasse a estar em duradouro vigor, no momento em que o PCP se
recusou a aceitar a presença, ainda que virtual, do presidente Zelensky na
Assembleia da República, ou quando, fazendo eco das palavras de Putin, designam a invasão
criminosa da Ucrânia pelos russos como uma “operação militar especial”.
Pois estão cada
vez mais orgulhosamente sós os seguidores de Jerónimo de Sousa, sem perceberem
que o mundo é muito diferente do que era há cem anos, e que Marx e Engels
seriam provavelmente os primeiros a lutar por uma Ucrânia livre, onde nenhuma
criança, nenhuma mulher, nenhum trabalhador ficasse sem lar ou morresse às mãos
de tropas invasoras. Não se compreende, por isso, a pacífica posição dos
militantes do PCP, que só poderão sê-lo porque não se abstraem das linhas duras
que os conduzem e limitam e que não os deixam colocar-se no lugar dos que
ficaram com as suas vidas reduzidas a cinzas.
II
Sem querer
antecipar os resultados escolares dos alunos das nossas escolas, que estão
prestes a terminar o ano lectivo, acho fundamental e urgente a realização de um
estudo que nos mostre as consequências desastrosas que a pandemia teve sobre os
seus estudos feitos em casa, sobre o valor real das aulas online, sobre
a seriedade com que os testes de avaliação foram realizados (todos sabemos) com
o mais variado tipo de auxílios. Creio que essa análise poderia dar origem a
uma discussão oportuna sobre os benefícios (muito poucos) e os malefícios
(muitíssimos) desse regime a que fomos todos obrigados a obedecer, tendo sido,
na minha perspectiva, desastroso, quer para os professores, quer para os
alunos.
Quando regressámos
à escola, em Setembro de 2021, notámos quase de imediato a falta de
conhecimentos de grande parte dos alunos em relação às matérias dos anos
anteriores. Não ficámos surpreendidos (até porque pouca coisa nos surpreende
já) porque também nós demos aulas online durante o(s) período(s) de
pandemia, e sabemos como tudo decorreu. O
que é preocupante é saber de antemão que uma casa sem alicerces fortes e bem
sustentados raramente se aguenta muito tempo de pé. O meu saudoso sogro,
Valério Casadinho, dizia-me muitas vezes para me arreliar, já nos idos anos 90
do século passado: “Agora, como está o ensino, o melhor é parar antes de
atravessar de carro uma ponte qualquer. Pára o carro, sai e bate duas ou três
vezes com um dos pés no início do tabuleiro. Se a ponte se aguentar… passe. É
que os engenheiros de hoje não são os mesmos de outros tempos.” E é nisto
mesmo em que dou comigo a pensar. Nas futuras pontes e nas suas estruturas
desenhadas e concebidas por engenheiros que tiveram aulas online por
causa de uma estranha pandemia que quase deu connosco em loucos.
III
Parece que Portugal tem uma fama
que vai longe, muito longe. Depois de Ursula von der Leyen, Presidente da
Comissão Europeia, ter passado o primeiro cheque a Portugal no valor de mais de
dois mil milhões de euros, no âmbito da tal Bazuca Europeia, parece que já há
uns espertalhões preparadíssimos para se amanharem com uma parte da verba.
Quando António
Costa levantou a primeira parte da esmola (seremos sempre um país dependente!!),
alguns lobos escondidos começaram a salivar, prontos para o ataque. Senti
vergonha quando o jornalista adiantou que parte do dinheiro iria ser alvo de
fraude, havendo até possibilidade de serem atribuídos subsídios a duplicar às
mesmas entidades. Parece que já está a ser formada uma comissão de fiscalização
para detectar todos os tipos de roubalheira que alguns cristãos de carácter
discutível decidam, por bem, levar a efeito.
Este país de
santos e heróis deixa assim passar uma imagem absolutamente vergonhosa, espaço onde
a ladroagem continua a ter algum sucesso. Os mais recentes foram a julgamento,
mas a coisa parece que continua empatada com as cenas dos recursos e
má-na-sê-quê. É o que há. E nós, que fazemos parte do imenso grupo dos
mexilhões, ainda vamos ter uma palavra a dizer sobre o assunto. Mas só depois
de o Costa, ele próprio, nos roubar as nossas poupanças para pagar o que roubaram
os ladrões-mor deste país de tristes e acomodados.
IV
O parto de um
livro assemelha-se ao nascimento de um filho. Há que fazê-lo e há que pari-lo.
Com todas as dores, com a família à volta, com os amigos mais próximos, com os
leitores, com a editora, a melhor de todas, que dá liberdade ao pai para que o
filho nasça quando, onde e como ele quiser. Ciclo Lunar, a minha mais
recente caminhada no mundo da ficção, abençoada pelas Edições Colibri, é uma
obra especial. Porque é completamente diferente do romance Sertório, lançado
no ano passado, e porque também é sobre Vila Nova, a nossa “vila” desenhada na
escuridão medieval, com narrativas que não lembrariam ao próprio diabo.
Vamos lançá-lo às
feras no dia 18. Há-de haver uma notícia sobre isso nesta edição de “O
Montemorense”. Depois… estou ao dispor
para consolar as almas dos leitores mais sensíveis.
João Luís Nabo
In "O Montemorense", Maio de 2022
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