domingo, 8 de maio de 2022

3 coisas importantes e 1 relativamente

 

(Foto: Vidas ao Minuto)

I         

            Sentados confortavelmente nos nossos sofás, continuamos a assistir ao massacre do povo ucraniano sem conseguirmos vislumbrar um fim para este conflito, que tem tanto de absurdo como de tenebroso. O ser humano continua a surpreender-nos pela negativa, e quando pensávamos, tranquilamente, que as atrocidades cometidas por Hitler durante os seis anos da Segunda Grande Guerra jamais se iriam repetir nos tempos mais próximos na Europa, eis que um novo senhor da guerra surge das estepes russas e desafia cinicamente e sem hesitações uma Europa actualmente pacífica e em permanente construção.

            Também não poderíamos pensar que o velho e bolorento conceito do “orgulhosamente sós”, ostentado por Salazar quando se referia à ofensiva portuguesa nas colónias de África, quando o resto dos países colonizadores tinham já iniciado a desocupação dos territórios de além-mar, voltasse a estar em duradouro vigor, no momento em que o PCP se recusou a aceitar a presença, ainda que virtual, do presidente Zelensky na Assembleia da República, ou quando, fazendo eco das  palavras de Putin, designam a invasão criminosa da Ucrânia pelos russos como uma “operação militar especial”.  

Pois estão cada vez mais orgulhosamente sós os seguidores de Jerónimo de Sousa, sem perceberem que o mundo é muito diferente do que era há cem anos, e que Marx e Engels seriam provavelmente os primeiros a lutar por uma Ucrânia livre, onde nenhuma criança, nenhuma mulher, nenhum trabalhador ficasse sem lar ou morresse às mãos de tropas invasoras. Não se compreende, por isso, a pacífica posição dos militantes do PCP, que só poderão sê-lo porque não se abstraem das linhas duras que os conduzem e limitam e que não os deixam colocar-se no lugar dos que ficaram com as suas vidas reduzidas a cinzas.

 

II 

Sem querer antecipar os resultados escolares dos alunos das nossas escolas, que estão prestes a terminar o ano lectivo, acho fundamental e urgente a realização de um estudo que nos mostre as consequências desastrosas que a pandemia teve sobre os seus estudos feitos em casa, sobre o valor real das aulas online, sobre a seriedade com que os testes de avaliação foram realizados (todos sabemos) com o mais variado tipo de auxílios. Creio que essa análise poderia dar origem a uma discussão oportuna sobre os benefícios (muito poucos) e os malefícios (muitíssimos) desse regime a que fomos todos obrigados a obedecer, tendo sido, na minha perspectiva, desastroso, quer para os professores, quer para os alunos.

Quando regressámos à escola, em Setembro de 2021, notámos quase de imediato a falta de conhecimentos de grande parte dos alunos em relação às matérias dos anos anteriores. Não ficámos surpreendidos (até porque pouca coisa nos surpreende já) porque também nós demos aulas online durante o(s) período(s) de pandemia, e sabemos como tudo decorreu.  O que é preocupante é saber de antemão que uma casa sem alicerces fortes e bem sustentados raramente se aguenta muito tempo de pé. O meu saudoso sogro, Valério Casadinho, dizia-me muitas vezes para me arreliar, já nos idos anos 90 do século passado: “Agora, como está o ensino, o melhor é parar antes de atravessar de carro uma ponte qualquer. Pára o carro, sai e bate duas ou três vezes com um dos pés no início do tabuleiro. Se a ponte se aguentar… passe. É que os engenheiros de hoje não são os mesmos de outros tempos.” E é nisto mesmo em que dou comigo a pensar. Nas futuras pontes e nas suas estruturas desenhadas e concebidas por engenheiros que tiveram aulas online por causa de uma estranha pandemia que quase deu connosco em loucos.

 

III 

            Parece que Portugal tem uma fama que vai longe, muito longe. Depois de Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, ter passado o primeiro cheque a Portugal no valor de mais de dois mil milhões de euros, no âmbito da tal Bazuca Europeia, parece que já há uns espertalhões preparadíssimos para se amanharem com uma parte da verba.

Quando António Costa levantou a primeira parte da esmola (seremos sempre um país dependente!!), alguns lobos escondidos começaram a salivar, prontos para o ataque. Senti vergonha quando o jornalista adiantou que parte do dinheiro iria ser alvo de fraude, havendo até possibilidade de serem atribuídos subsídios a duplicar às mesmas entidades. Parece que já está a ser formada uma comissão de fiscalização para detectar todos os tipos de roubalheira que alguns cristãos de carácter discutível decidam, por bem, levar a efeito.

Este país de santos e heróis deixa assim passar uma imagem absolutamente vergonhosa, espaço onde a ladroagem continua a ter algum sucesso. Os mais recentes foram a julgamento, mas a coisa parece que continua empatada com as cenas dos recursos e má-na-sê-quê. É o que há. E nós, que fazemos parte do imenso grupo dos mexilhões, ainda vamos ter uma palavra a dizer sobre o assunto. Mas só depois de o Costa, ele próprio, nos roubar as nossas poupanças para pagar o que roubaram os ladrões-mor deste país de tristes e acomodados.   

 

IV

O parto de um livro assemelha-se ao nascimento de um filho. Há que fazê-lo e há que pari-lo. Com todas as dores, com a família à volta, com os amigos mais próximos, com os leitores, com a editora, a melhor de todas, que dá liberdade ao pai para que o filho nasça quando, onde e como ele quiser. Ciclo Lunar, a minha mais recente caminhada no mundo da ficção, abençoada pelas Edições Colibri, é uma obra especial. Porque é completamente diferente do romance Sertório, lançado no ano passado, e porque também é sobre Vila Nova, a nossa “vila” desenhada na escuridão medieval, com narrativas que não lembrariam ao próprio diabo.

Vamos lançá-lo às feras no dia 18. Há-de haver uma notícia sobre isso nesta edição de “O Montemorense”.  Depois… estou ao dispor para consolar as almas dos leitores mais sensíveis.


João Luís Nabo

In "O Montemorense", Maio de 2022

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