quarta-feira, 22 de junho de 2022

Balanços

 

       


 

        Já se escreveu muita asneira sobre a pandemia, sobre os cuidados a ter, sobre as cadeias de transmissão, os contágios, as vacinas, as urgências em ruptura, médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares em exaustão profunda. Tenho a sensação de que poderá tudo começar outra vez, com o levantamento das medidas. Talvez não. Teremos, segundo alguns analistas, de aprender a viver com o vírus e andar com a vida para a frente.  Quero acreditar que assim é. Porque também estou farto de tantos medos e de tantos afastamentos. Quem me tira um abraço, um xôxo repenicado, uma almoçarada descontraída, um concerto vivido ao extremo, uma aula sem máscaras e sem gel… tira-me tudo. Ainda assim, o horizonte não se me afigura muito seguro.

 

            Estamos a encerrar o ano lectivo, mais um ano lectivo, fazendo o balanço dos pontos altos e dos pontos baixos desta maratona de nove meses. Querem saber o que eu acho mesmo? Acho que uma parte dos alunos anda demasiado envolvida em projectos de vária ordem e mal tem tempo e concentração para se dedicar aos estudos das matérias, essenciais para um prosseguimento académico seguro e sem sobressaltos. Claro que as actividades extra-curriculares são importantíssimas no desenvolvimento dos jovens e das suas capacidades intelectuais, sociais e humanas!  No entanto, há que restabelecer um certo equilíbrio para que as actividades fora da sala de aula sejam complemento das matérias e das vivências intramuros. Se não houver essa aquisição de conhecimento, as actividades fora da escola não poderão complementar seja o que for.

 

            A guerra na Ucrânia passou de muito dramática a dramática, de dramática a coisa comum, que irá decorrer até ao fim do ano (dizem). A frieza com que, aos poucos, começámos a encarar os números de mortos, feridos, estropiados, desalojados, o olhar acrítico que dirigimos às imagens e às notícias que continuam a chegar-nos todos os dias a casa assusta-me tanto como a própria guerra. Indigna-me mais do que a impotência manifesta da União Europeia perante este verdadeiro genocídio.

 

Temos um Presidente da República fala-barato. Não é novidade e até achamos alguma piada quando ele, sempre muito desbocado, conta coisas ao país que António Costa não quer que se saibam. Mas ele é assim: professor, comunicador, pedagogo e… fala-barato. Muitos ministros deverão, com certeza, dirigir-se a ele para tomarem conhecimento de assuntos dos seus próprios ministérios…

Cá em casa, e perante estes meus desabafos, a Fofa respondeu-me que o objectivo do Professor Marcelo é compensar o prolongado tempo de silêncio em que vivia mergulhado o Professor Aníbal, que nunca comentava nada, que nunca sabia de nada, que nunca dizia nada. “Agora que devia estar calado”, acrescentou ela enquanto fazia uma festinha ao Balú, “é que aparece, vindo de outro mundo, a espalhar veneno sem dó nem piedade!

 

No momento de produção deste pequeno conjunto de textos, uma das notícias que enche os telejornais é a falta de médicos obstetras nos hospitais da Região de Lisboa. Se me dissessem que esta situação se passava no interior do país, aceitava melhor, ainda que contrariado. Agora, em Lisboa? Na capital do Reino? O que anda o Ministério da Saúde a fazer? E o resto do Governo? Ainda não perceberam que morreu um bebé recém-nascido, vítima desta situação inaceitável e absolutamente terceiro-mundista?

 

 

No passado dia 30 de Maio encerrou as suas portas uma das mais icónicas Casas da cidade. Tão icónica, que o Largo da República, onde se situa, passou a ser conhecido em toda a parte por Largo do Almansor – do Café Almansor. Fui cliente desde a minha tenra adolescência e foi lá, à volta de petiscos extraordinários, que reforcei laços de amizade e criei outros que duraram a vida inteira.

Pois no dia 30 fui ao Café Almansor pela última vez, despedir-me do Evaristo e do Zé Maria e das suas companheiras de uma vida. Deixei ficar dois exemplares do “Sertório”, história em que ambos têm uma breve participação, logo no segundo capítulo: “Pois o Zé Maria e o Evaristo, actuais proprietários do histórico Café, porque não tinham ninguém para servir, e porque as grandes novidades vinham do exterior, estavam à porta, quase em bicos dos pés, tentando descortinar os pormenores do terrível acontecimento, ocorrido mesmo à frente, no alto da escadaria, à porta da Sociedade Filarmónica. Os carros estacionados no parque diante do estabelecimento não se viam, de tal modo estavam cobertos de gente.”[1]

 Bom descanso para todos. A gente vai-se encontrando por aí.

 

Está calor. Sempre esteve calor no Alentejo nesta época do ano. Não havia era telemóveis para registar as temperaturas anunciadas pelos termómetros dos carros do pessoal e nem Facebook e Instagram e Twitter e má-na-sê-quê para fazer a respectiva publicaçãozinha.  Mas não são só as temperaturas altas. São também as baixas. Esperem por Dezembro e logo vêem… Mas o que mais me atormenta não é bem isto. Percebo que as pessoas queiram narrar ao minuto toda a sua vida, sobretudo quando fazem viagens exóticas, que é para irritarem os amigos. Compreendo, com uma enorme margem de tolerância, que ponham nas redes sociais os almoços, os jantares, as homenagens às mulheres, às noivas, aos noivos, às ex-, aos ex-, os concertos, as primeiras comunhões, os casamentos, as vendas dos trapinhos, as idas à pesca e à caça… Há influencers de fim-de-semana que publicam o que queremos e até o que não queremos ver. Qualquer dia, ainda assistimos ao filme da sua lua-de-mel e depois queixam-se de que foram vítimas de phishing ou lá como é que diz.

Mas ainda não é isto que me atormenta. O que me causa grande embechação, o que me tira o soninho e a vontade de existir é quando os autores das publicações põe um Gosto na própria publicação. E às vezes até numa foto tirada depois de almoço. Isto é que me tira do sério. De resto… nada a dizer.

 

 João Luís Nabo

In "O Montemorense", Junho de 2022



[1] In “Sertório, uma história de Vila Nova”, Edições Colibri, Lisboa 2021

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Distraídos crónicos...


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