quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Três textos de ficção

 



I


Não é novidade a forma completamente inadequada como decorrem os debates entres os candidatos a primeiro-ministro, nos diversos canais de televisão. Acusações, destruição de carácter, tiros certeiros à honra, desrespeito desbragado pelas ideias do adversário, lançamento de petardos, em qualquer direcção, servindo de manobras de diversão, escavações fundas mas, muitas vezes, inócuas, no histórico político e pessoal de cada um, roçando o ignóbil e o insultuoso, é o que nos tem sido servido durante os últimos dias.

Se alguns dos pugilistas conseguem, apesar de tudo, manter alguma dignidade, sabe-se lá com que esforço, há outros que deveriam ir para casa, em vez de se sentarem no estúdio, de mangas arregaçadas e esgares ameaçadores, frente ao adversário. Se um prémio houvesse para o que está continuamente a pisar a linha vermelha, esse seria para André Ventura, que continua a pensar que é o único que irá livrar o país dos corruptos, dos criminosos e dos oportunistas. Outros houve, e a História é, infelizmente, farta em exemplos, que, não há muitos anos, foram eleitos porque o povo, farto do estado de uma Europa falida e a ressuscitar conflitos antigos, queria um mundo novo e justo. Pouco tempo passou até às perseguições, às prisões, às deportações em massa, ao genocídio, à destruição e ao envolvimento da Europa, dos Estados Unidos e da ex-União Soviética numa guerra profundamente destruidora como é qualquer guerra. Das ruínas nasceram outros oportunistas que acabaram por dividir a Europa em duas e manter um cenário de medo e insegurança durante várias décadas.

Ventura não é um fenómeno único na Europa (e no Mundo). Trump, Putin, duas personalidades ideologicamente dominadoras, os partidos de extrema-direita que lideram os governos da Itália, da Polónia e da Hungria, a França, com a candidata Marine Le Pen, a ganhar cada vez mais espaço no espectro político do seu país, são as máquinas que, aos poucos, vão minando a democracia, cada vez mais ameaçada. Daqui a algumas gerações, não muitas decerto, a Europa desse tempo não terá, politicamente, qualquer semelhança com a Europa do início deste século.

Para já, Ventura consegue manipular os debates, insurgir-se contra os moderadores, dominar as discussões, gerir o seu tempo e o tempo dos outros. Conhecedor da máxima “Não há publicidade má”, consegue aquilo que pretende: ser falado, comentado, amado ou odiado. Jamais ignorado. E ignorá-lo é completamente impossível. E pouco aconselhável.

O Balú, cão atento e sábio, diz-me bastas vezes que não vale a pena preocupar-me tanto. Que, mais ano menos ano, esquerda e direita irão tocar-se definitivamente e que ambas acabarão por esquecer o bem do povo, porque será para elas mais importante o “Bem da Nação”.

 

II

 

As novas tecnologias ainda não são bem a minha onda, muito menos a minha praia. Vamos aos poucos aprendendo, sobretudo com os filhos e os amigos mais novos que, entre um ou outro sorriso paternalista, nos conduzem ao estranho mundo dos logaritmos e dos megabytes. E, assim, seguimos mais confiantes, procurando tirar cada vez melhor partido das ferramentas que temos à nossa disposição online. A Internet, por sua vez, tornou-se um dos nossos maiores aliados quando nos fornece tudo o que solicitamos para novas leituras, consultas, pesquisa, publicações. O acesso a todos os locais, espaços e informações tornou-nos também mais vulneráveis, tal como os instrumentos que usamos ou os espaços onde vivemos. Temos cada vez menos desculpa para ignorarmos o que se passa à nossa volta e só não dominamos todos os temas do universo apenas porque não teremos dez ou mais vidas como esta, o tempo necessário para podermos abarcar uma parte (não a totalidade) de todo o conhecimento que nos é oferecido através de um “simples” computador. Acredito que, se Saramago vivesse fisicamente nestes tempos, teria, decerto, já escrito uma boa história sob a premissa “No Dia Seguinte Não Houve Internet”. Quem sabe até se este novo romance não poderia ser escrito pelo ChatGPT, tal como o foi a terceira parte desta bela crónica?

 

III

 

Enviei a seguinte mensagem ao ChatGTP:Olá! Imagina que amanhã não há Internet. Escreve uma pequena ficção sobre isso!” Cinco segundos depois, recebi o seguinte texto, que tomei a liberdade de resumir por conveniência de espaço[1]:

 

“Era uma manhã como outra qualquer, até que o sol nascente foi ofuscado por nuvens densas que pairavam no céu. As pessoas acordaram, como de costume, pegando nos seus dispositivos eletrónicos, mas algo estava diferente. A conexão com a Internet havia sido perdida. Em poucas horas, a notícia espalhou-se como um rasto de pólvora. Governos, empresas, famílias inteiras estavam desligadas do mundo digital, sem redes sociais, sem e-mails e sem acesso à informação instantânea.

As ruas, que costumavam ser preenchidas pelo zumbido das actividades online, agora estavam estranhamente silenciosas. As lojas que dependiam da Internet para processar transacções estavam fechadas. As pessoas juntavam-se em praças e nos parques, tentando encontrar conforto na companhia umas das outras. Enquanto isso, nos bastidores, cientistas e especialistas trabalhavam freneticamente para entender o que havia acontecido. Surgiram teorias da conspiração mas sem respostas concretas.

Com o passar dos dias, as comunidades começaram a adaptar-se à nova realidade. Apesar dos desafios, algumas coisas positivas emergiram dessa crise. As famílias passaram mais tempo juntas, redescobrindo a arte da conversa cara a cara, as crianças começaram a brincar ao ar livre, longe dos ecrãs brilhantes que antes as hipnotizavam.

Então, lentamente, a Internet começou a voltar. Os sistemas foram restaurados, os cabos foram consertados e a vida online retomou seu curso. As pessoas jamais iriam esquecer os dias em que o mundo ficou desconectado, lembrando-se de como a ausência da Internet as aproximou umas das outras de maneiras que nunca teriam imaginado possíveis.”

 

 João Luís Nabo (e ChatGPT)

 In "O Montemorense", Fevereiro de 2024

 

 

 



[1] Nota: O texto foi ligeiramente alterado na forma mas não no conteúdo.

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Distraídos crónicos...


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