O desespero da Rosa
O
descaramento socialista, pontuado por um certo desespero, tornou-se o rosto
visível de um candidato com um histórico cheio de nódoas, atirado aos bichos no
último congresso do PS pelos próprios camaradas e que, na noite das eleições,
perante um país em suspenso, se mostrou ansioso por regressar a casa e fugir daquele
cenário desastroso, criado por ele próprio e pelo Governo a que pertenceu e do
qual foi despedido.
Como
pode um partido, que perdeu a credibilidade perante os seus eleitores e perante
os portugueses em geral, depois da sua queda vergonhosa por motivos ainda mais
vergonhosos, apresentar um candidato que foi ministro, e ministro demitido por
decisões mal explicadas?
Como
é possível António Costa, no decorrer da campanha eleitoral, vir a terreiro
defender o seu ex-ministro, por si demitido, como o candidato certo a primeiro-ministro
de Portugal se ele nem um bom ministro foi?
Como
se pratica o apoio a um falso delfim que, em debates televisivos
após a sua demissão, rasgou o Governo socialista e o seu líder de alto a baixo?
A última
pergunta que se impõe é ainda mais simples: o Partido da Rosa não tinha outro
candidato, mais clean, menos polémico, para eleger como
secretário-geral? Pedro Nuno Santos era mesmo o melhorzinho de todos? Pois…
parece que não.
O que o meu PS não fez, vou eu fazer agora…
… poderia ter sido o lema de campanha do candidato socialista, já que foi um ver se te avias nas mudanças operadas no pensamento de Pedro Nuno Santos quando se viu na incumbência de ganhar as eleições. Por exemplo, tudo o que o Partido Socialista se recusou a fazer em relação às justas exigências dos professores, em pé de guerra com o ministério da tutela e com João Costa quase durante um ano lectivo inteiro, com Pedro Nuno tudo será agora diferente: os professores poderão vir a recuperar o tempo de serviço que lhes foi roubado. Serve esta atitude eleitoralista para medir o cinismo e a teimosia hipócrita do ministro da Educação, do ministro das Finanças e do primeiro-ministro, que afirmaram sempre não haver dinheiro para tal despesa repentina e incomportável. Agora, com PNS, o dinheiro deixou de ser problema.
PNS
perdeu por uma nesga, mas perdeu. Ganhou o parente (não muito) afastado de
Ventura que conseguiu pôr o país em suspenso com o seu “Não é não!”. Veremos se
vai manter o que disse ou se, com o apoio do terceiro maior partido, vai
contribuir para mudanças profundas na gestão do país e dos portugueses, algumas
delas regressadas de outros tempos, em que o queridíssimo líder, com palavras
mansas e cristãs, sussurradas aos ouvidos dos descontentes e guardadas e feitas
cumprir por uma competente guarda pretoriana, punha e dispunha do tempo, da
mente e da vontade dos liderados.
O Povo é… o Povo (por enquanto)
Não
defendo partidos extremistas, nem de esquerda, nem de direita. E porque os
extremos se tocam, a História já nos mostrou os resultados terríveis e os atentados
aos direitos fundamentais dos cidadãos que regimes nazis/fascistas e regimes
comunistas tiveram a oportunidade de exercer ao longo de décadas, sobretudo
numa boa parte dos países da Europa, incluindo no nosso, durante 48 anos.
Quando,
ao longo do seu percurso de ascensão, um partido se revela uma alternativa, mas
contra as pedras basilares do sistema democrático, esmagando aos poucos os
direitos dos cidadãos, a primeira reacção, quase instintiva, é refutá-lo, mais
do que isso, é ignorá-lo. Ainda assim, ignorar um partido com as
características do partido de André Ventura só poderia ter dado este resultado:
uma subida estrondosa no número de votos e uma conquista legítima e democrática
de quase um quarto dos assentos parlamentares.
Inúmeras
tempestades irão abrir-se sobre as nossas cabeças, acompanhadas de tsunamis e
terramotos da mais diversa índole. Mas não nos podemos admirar. Foi o Povo que
escolheu, e o Povo é soberano. Ninguém poderá contrariar a vontade do povo, e
André Ventura tem isso do seu lado. Isso e as asneiras em catadupa perpetradas
por Costa e seus delfins, de tal modo que tiveram de deixar cair um Governo de
maioria que, por falta de inteligência, de sentido de Estado e com um sistema
de amiguismo bem implementado, abriram um espaço preenchido por quem, à imagem
de outros políticos tristemente célebres, souberam aproveitar o demérito da
esquerda e o transformaram em mérito próprio para se auto-proclamarem
salvadores de uma nação em agonia. Outros já o fizeram, vindos da esquerda e da
direita, com os resultados desastrosos, assustadores e macabros que todos
conhecemos e abominamos.
Há,
porém, uma questão que Ventura, no meio da sua quase infantil euforia, ainda
não ponderou. A subida vertiginosa do seu partido em termos de votantes, recebendo
no boletim mais de um milhão e cem mil cruzinhas, não tem a ver com o seu
programa eleitoral ou com as soluções que ele vai apresentando como se já fosse
primeiro-ministro. Tem a ver com o descontentamento, com a desilusão, com o
vazio que sentimos em relação à forma como temos sido governados. Ventura e o
seu partido não têm JÁ um milhão de adeptos, têm APENAS um milhão de adeptos.
Os outros seis milhões andam espalhados pelo espectro, desnorteados, à espera
de melhor rumo.
O
acto de desespero dos eleitores, até de vingançazinha, contra as duas maiores
cores do espectro partidário, desvalorizando o peso desse gesto, pode resultar
num caldinho ainda menos apetecível, onde seremos, cheios de estúpida
felicidade, postos a cozer em fogo lento. Os próximos dias serão, pois,
decisivos para as nossas vidas. Mas há sempre forma de voltar atrás.
É
verdade! Alguém diga ao Presidente da República que, para já, guarde silêncio e
deixe a democracia funcionar sozinha.
João Luís Nabo
In "O Montemorense", Março de 2024
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