sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Modas da minha terra






Somos um povo de modas. Festejou-se o 28 de Maio de 1926, com vivas à ditadura, porque diziam os iluminados que só uma ditadura (e, ainda por cima, militar) iria endireitar um país de rastos, com mais governos de borco do que o pasto das searas em finais de Agosto. Depois, deram-se vivas a um Salazar, que arranjava sempre maneira de se apresentar em praças a abarrotar de gente, porque ele era o salvador, o D. Sebastião, que tinha salvaguardado os valores da nação. Mais tarde, com um Estado Novo já moribundo, veio a moda Marcelista, do tal senhor cuja Primavera não passou de um sol morno… posto logo à nascença, que ele ainda andava muito pressionado pelos salazaristas da altura.
Em Abril, e em vários abris subsequentes, gritou-se de alma aberta a nova moda da Liberdade que usámos e esgotámos até quase a deixarmos desaparecer. Parecíamos crianças de volta de um brinquedo novo que foi ficando cada vez mais gasto, estragado, abandonado a um canto, sem conserto. Entretanto, houve outras modas: a da maioria silenciosa, no 28 de Setembro, a do 25 de Novembro, a do 11 de Março. Serenados os ânimos (mais ou menos) houve a moda dos sequestros na Assembleia da República (“Chateia-me ser sequestrado, pá”, dizia Pinheiro de Azevedo, deveras incomodado). Depois, houve a moda do campismo selvagem, a moda do Timor Lorosae, a moda da Comporta revisitada, a moda de irmos à pesca com iscos de borracha, a moda de se comer pão integral às refeições, a moda das caminhadas à noite para manter a forma, a moda dos ginásios, com o step, a aeróbica e os armários.
Hoje, novas modas se apresentam e se discutem. Outras cores, outros tons. Pensamentos ditos modernos que nos levam a aceitar, com a naturalidade possível, escondendo uma hipocrisia sufocada, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a adopção por casais homossexuais, a integração de crianças com necessidades especiais nas escolas, a mistura entre brancos, pretos, amarelos, louros, ruivos e azuis. Modas, digo eu, que vão e vêm com as mentalidades, com os tempos e com as influências que nos chegam das américas e dos brasis, das chinas e de outros confins do planeta, porque hoje moramos mesmo todos numa aldeia. E se a moda é também a dita globalização, então tenho esperança de que essa coisa ainda um dia me vá permitir estar na Tailândia, ir a um desses restaurantes de fast food e pedir uma MacAçorda ou umas MacMigas para matar saudades da santa terrinha.
A moda mais recente foi a do Charlie. Mas, ao que parece, já passou e o que muitos querem agora é despachar radicais islâmicos, porque eles atiram bombas e matam pessoas, porque estão em todo o lado, graças aos tentáculos de um polvo enorme e implacável. E há outras modas que a ética profissional me obriga a calar e a guardar para quando estiver reformado e me dê ao luxo de escrever as minhas memórias como professor de carreira.
Cheguei a este momento do texto com a narina esquerda levemente mais aberta do que a direita, sinal de irritação iminente. Isto porque as modas, todas as modas, têm o condão de me irritar. Porque obrigam à carneirada, ao seguidismo, à idiotice, à despersonalização. E não há coisa pior como a despersonalização. Ou a idiotice. Custo a acreditar como pode haver pessoas que embarcam nelas com a maior das facilidades, sem sequer reflectirem se é, de facto, aquilo que querem para a vida.
Mas há uma moda (e aqui é que bate a coisa), velha como o mundo, que a minha santa terrinha, tal como as terrinhas com a mentalidade da minha santa terrinha (que eu amo e defendo de todo e qualquer infiel) faz gáudio em alimentar: a moda de muita gente, deles e delas, se meter na vida de quem lhes apetece. Isto é que me deixa fora de mim. Mas sei que é um vício de tal forma arreigado que não há maneira de nos livrarmos dele. Falar deste ou daquele, da vizinha, do vizinho, do padeiro, do professor, do jardineiro, do empregado desta ou daquela loja, dar palpites sobre a sua vida, sobre o que não fez e o que devia ter feito, sobre a mulher, o marido, a família, os filhos, o cão e o periquito gay é mais do que uma moda. É um desporto. Um divertimento. Um motivo para apostas e tira-teimas. Um passatempo de gente inútil e com mais areia no cérebro do que aquela a perder de vista nas praias deste país.
A melhor receita para elas seria, por exemplo, arranjar uma vida própria, um namorado ou uma namorada, para estarem entretidinhos, um cão, um gato ou mesmo um periquito, independentemente das opções sexuais da ave. Ou, então, ir até à Casa dos Segredos.
Isso ainda era pouco. No fundo, no fundo, eu até sei onde elas deviam de ir.



In "O Montemorense", Fevereiro de 2015




3 comentários:

samuel disse...

Em cheio!!!
No tempo, no modo… e no local. :-) :-)

Abraço.

kalikera disse...

Pequeno, muito pequeno, já passava na Ruinha. E, conforme se ia passando, íamos sentindo nas costas as portas e janelas a abrir e a fechar sorrateiramente; as cortinas, como quem não quer a coisa, a serem afastadas para deixarem entrar a luz e com ela as novas lá de fora. Lá dentro era sempre penumbra e descrição. E os pensamentos e conversas sobre o que é que o gaiato andava ali a fazer. E o pai, e a mãe, e a tia que não arranja namorado... Não há-de ser boa coisa.
Era a Rua das Bisbórrias.
Ainda hoje quando lá passo sinto as velhas de verruga de olho escondido. Não há panelas para arear? Eu bem lhes vejo as noras lá na ribeira...

Avó Elisa disse...

O papagaio é mesmo gay??? Ouvi dizer, mas, estava com dúvidas... Sabe -se lá se não é obrigado a isso... naquela casa, sempre tão caladinhos e secretos...sabe-se lá o que se passa lá dentro.... mas eu ouvi dizer umas coisas... Já ouviram falar nisso.???!!

Distraídos crónicos...


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