Somos
um povo de modas. Festejou-se o 28 de Maio de 1926, com vivas à
ditadura, porque diziam os iluminados que só uma ditadura (e, ainda
por cima, militar) iria endireitar um país de rastos, com mais
governos de borco do que o pasto das searas em finais de Agosto.
Depois, deram-se vivas a um Salazar, que arranjava sempre maneira de
se apresentar em praças a abarrotar de gente, porque ele era o
salvador, o D. Sebastião, que tinha salvaguardado os valores da
nação. Mais tarde, com um Estado Novo já moribundo, veio a moda
Marcelista, do tal senhor cuja Primavera não passou de um sol morno…
posto logo à nascença, que ele ainda andava muito pressionado pelos
salazaristas da altura.
Em
Abril, e em vários abris subsequentes, gritou-se de alma aberta a
nova moda da Liberdade que usámos e esgotámos até quase a
deixarmos desaparecer. Parecíamos crianças de volta de um brinquedo
novo que foi ficando cada vez mais gasto, estragado, abandonado a um
canto, sem conserto. Entretanto, houve outras modas: a da maioria
silenciosa, no 28 de Setembro, a do 25 de Novembro, a do 11 de Março.
Serenados os ânimos (mais ou menos) houve a moda dos sequestros na
Assembleia da República (“Chateia-me ser sequestrado, pá”,
dizia Pinheiro de Azevedo, deveras incomodado). Depois, houve a moda
do campismo selvagem, a moda do Timor Lorosae, a moda da Comporta
revisitada, a moda de irmos à pesca com iscos de borracha, a moda de
se comer pão integral às refeições, a moda das caminhadas à
noite para manter a forma, a moda dos ginásios, com o step,
a aeróbica e os armários.
Hoje,
novas modas se apresentam e se discutem. Outras cores, outros tons.
Pensamentos ditos modernos que nos levam a aceitar, com a
naturalidade possível, escondendo uma hipocrisia sufocada, o
casamento entre pessoas do mesmo sexo, a adopção por casais
homossexuais, a integração de crianças com necessidades especiais
nas escolas, a mistura entre brancos, pretos, amarelos, louros,
ruivos e azuis. Modas, digo eu, que vão e vêm com as mentalidades,
com os tempos e com as influências que nos chegam das américas e
dos brasis, das chinas e de outros confins do planeta, porque hoje
moramos mesmo todos numa aldeia. E se a moda é também a dita
globalização, então tenho esperança de que essa coisa ainda um
dia me vá permitir estar na Tailândia, ir a um desses restaurantes
de fast
food
e pedir uma MacAçorda ou umas MacMigas para matar saudades da santa
terrinha.
A
moda mais recente foi a do Charlie. Mas, ao que parece, já passou e
o que muitos querem agora é despachar radicais islâmicos, porque
eles atiram bombas e matam pessoas, porque estão em todo o lado,
graças aos tentáculos de um polvo enorme e implacável. E há
outras modas que a ética profissional me obriga a calar e a guardar
para quando estiver reformado e me dê ao luxo de escrever as minhas
memórias como professor de carreira.
Cheguei
a este momento do texto com a narina esquerda levemente mais aberta
do que a direita, sinal de irritação iminente. Isto porque as
modas, todas as modas, têm o condão de me irritar. Porque obrigam à
carneirada, ao seguidismo, à idiotice, à despersonalização. E não
há coisa pior como a despersonalização. Ou a idiotice. Custo a
acreditar como pode haver pessoas que embarcam nelas com a maior das
facilidades, sem sequer reflectirem se é, de facto, aquilo que
querem para a vida.
Mas
há uma moda (e aqui é que bate a coisa), velha como o mundo, que a
minha santa terrinha, tal como as terrinhas com a mentalidade da
minha santa terrinha (que eu amo e defendo de todo e qualquer infiel)
faz gáudio em alimentar: a moda de muita gente, deles e delas, se
meter na vida de quem lhes apetece. Isto é que me deixa fora de mim.
Mas sei que é um vício de tal forma arreigado que não há maneira
de nos livrarmos dele. Falar deste ou daquele, da vizinha, do
vizinho, do padeiro, do professor, do jardineiro, do empregado desta
ou daquela loja, dar palpites sobre a sua vida, sobre o que não fez
e o que devia ter feito, sobre a mulher, o marido, a família, os
filhos, o cão e o periquito gay
é mais do que uma moda. É um desporto. Um divertimento. Um motivo
para apostas e tira-teimas. Um passatempo de gente inútil e com mais
areia no cérebro do que aquela a perder de vista nas praias deste
país.
A
melhor receita para elas seria, por exemplo, arranjar uma vida
própria, um namorado ou uma namorada, para estarem entretidinhos, um
cão, um gato ou mesmo um periquito, independentemente das opções
sexuais da ave. Ou, então, ir até à Casa dos Segredos.
Isso
ainda era pouco. No fundo, no fundo, eu até sei onde elas deviam de
ir.
3 comentários:
Em cheio!!!
No tempo, no modo… e no local. :-) :-)
Abraço.
Pequeno, muito pequeno, já passava na Ruinha. E, conforme se ia passando, íamos sentindo nas costas as portas e janelas a abrir e a fechar sorrateiramente; as cortinas, como quem não quer a coisa, a serem afastadas para deixarem entrar a luz e com ela as novas lá de fora. Lá dentro era sempre penumbra e descrição. E os pensamentos e conversas sobre o que é que o gaiato andava ali a fazer. E o pai, e a mãe, e a tia que não arranja namorado... Não há-de ser boa coisa.
Era a Rua das Bisbórrias.
Ainda hoje quando lá passo sinto as velhas de verruga de olho escondido. Não há panelas para arear? Eu bem lhes vejo as noras lá na ribeira...
O papagaio é mesmo gay??? Ouvi dizer, mas, estava com dúvidas... Sabe -se lá se não é obrigado a isso... naquela casa, sempre tão caladinhos e secretos...sabe-se lá o que se passa lá dentro.... mas eu ouvi dizer umas coisas... Já ouviram falar nisso.???!!
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