Antes de férias
I
Cada Verão com incêndios é um desrespeito total
pelos bombeiros deste país, pelas suas famílias, é um brincar com os bens de
cada cidadão que, de um momento para o outro, se vê privado de tudo o que
conquistou com o seu suor e com o seu trabalho, isto quando não perde para
sempre familiares e amigos.
Todos nós temos amigos, familiares e
conhecidos por esse Portugal fora e é por isso que nos agarramos à televisão
quase obsessivamente para estarmos a par do evoluir dos acontecimentos. Entretanto,
vamos sabendo que apanharam um ou outro incendiário que, apesar de terem destruído
vidas e bens, continuam a ser tratados por… alegados incendiários.
Este é um país de palhaços e de branda
justiça. Não se entendem as penas levíssimas que se aplicam a esses criminosos,
sem, muitas vezes, se proceder a uma investigação completa, de modo a saber-se
quem são os verdadeiramente responsáveis que mandam esses inconscientes,
sedentos de dinheiro, proceder à criminosa ignição a troco de meia-dúzia de
tostões. É de pasmar, e isso é que nos tira do sério, quando o incendiário, já
condenado, é libertado pouco tempo depois, para voltar, no ano seguinte, a
cometer o mesmo crime. É o país que temos. São estes os tribunais que regulamentam
a nossa vida e são estes os políticos que elegemos, e que, diga-se a verdade,
já não sabem como lidar com tantas crises ao mesmo tempo.
Quem deve estar completamente passado com
tudo isto é Marcelo. Mas Marcelo tem de manter a postura de Estado e não poderá
jamais mandar Costa à fava, ainda que o acto fosse precedido de uma vénia e de
uma… selfie.
II
A partida de gente boa deixa-nos um vazio no
coração, pensava eu até agora. Na despedida de uma amiga, um jovem padre, que
eu muito admiro, numa breve homilia, simples mas eficaz, como eu nunca tinha
ouvido a padre nenhum antes (e eu tenho ouvido muitos padres, acreditem), falou
do coração de quem fica e não referiu esse espaço como um lugar esvaziado pelo
desgosto. Falou dele como o espaço onde guardaremos as memórias dos momentos que
passámos com quem partiu. Não, o coração ficará sempre preenchido por tudo o
que, na vida, já não se torna possível fazer. E tem razão o jovem padre. E
tinha razão a Carla, que amava cada momento e cada pessoa como se fossem únicos.
É a partida dessas pessoas boas que nos dá vontade de voltar atrás e de dizermos mais vezes o quanto gostávamos delas. Mas, agora, já é tarde para isso. Usemos, pois, o coração. Mas não será tarde para os outros que continuam connosco. Dizermos que gostamos uns dos outros, e dar-lhes sempre o melhor de nós, devia ser uma regra a cumprir antes que seja tarde demais
III
Recomeçámos o ginásio porque vêm aí os dias de praia e a nossa vaidadezinha de pormos as nossas banhas com menos volume é mais forte do que a vontade de beber uma mini. Ou duas. E lá vão elas e eles suar que nem uns malucos, como se o calor que nos ataca diariamente não fosse suficiente para nos espremer até à última gota. Enfim, lá ficamos mais equilibrados em termos estéticos, a nossa saúde melhora consideravelmente e, na praia ou na piscina do hotel, não há ninguém que não nos siga com o olhar, cheio de inveja dos nossos abdominais, dos bíceps bem definidos e dos gémeos bronzeados e brilhantes. Quem não teve tempo de ir gastar as suas energias e as suas calorias-extra no ginásio mais próximo, pode sempre fazer como eu. Quando atravesso o areal, antes do belo mergulho, inspiro e aguento a respiração até estar completamente tapado de água. Aí, os meus abdominais definidos transformam-se num flácido one-pack, que terei de voltar a disfarçar quando regressar à toalha onde a Fofa me espera cheia de orgulho no meu físico e na minha estratégia para enganar velhinhas reformadas.
IV
As férias grandes vêm aí, já toda a gente percebeu. A malta nova já não combina pescarias no Pego do Poço, nem concursos de natação na Pintada. As distracções são outras, até porque o Pego do Poço e a Pintada, e outros lugares (agora diz-se spots) do nosso rio já praticamente não existem como nós os conhecemos.
Saídas à noite, temporadas nas piscinas da
terra (ou nas piscinas dos amigos), passeios até ao Algarve ou ao Norte, onde,
à partida, estaria mais fresco, são formas de passar estes longos dias que se
aproximam. E, claro, sempre ligados às redes sociais, porque é fundamental irmos
publicando minuto a minuto o que fazemos, o que comemos, com quem saímos, onde
estamos e onde vamos estar. Nem que seja para fazermos inveja a alguém em
particular.
Já agora, e à laia de despedida, pois só
vamos regressar em Setembro, se estivermos ainda por cá, distraiam-se e… leiam
uns livros. Bons autores, boas histórias, universos únicos, inventados para nos
reencontrarmos connosco e com o Outro, para podermos ser, nem que seja na
ficção, amados e felizes.
JOÃO LUÍS NABO
In "O Montemorense", Julho de 2022
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