Há 22 anos, um cavaleiro chegou a
esta cidade, vindo de terras longínquas por ele conquistadas. Cidades distantes
e enormes: Frankfurt, Zurique, Londres, Montréal, Copenhaga, Tóquio, Berlim,
Gent, Nova lorque, Toronto, Moscovo, Lyon, Paris, Munique, Düsseldorf, Genève, Malmö,
Gotenburgo, Avignon, Lisboa…
Depois destas e de outras que não
cabe aqui enumerar, o cavaleiro ordenou que se tomasse uma pequena cidade ao
Sul do Tejo, chamada Montemor-o-Novo. “Montemor-o-Novo, mestre?”, perguntou-lhe
um dos cavaleiros. “Montemor-o-Novo será”, respondeu o mestre.
Não trazia cavalo, nem espada,
nem armadura, nem se lhe ouviram quaisquer gritos de guerra. O Rui trazia na
bagagem a vontade e a paixão e uma colecção infindável de prémios atribuídos
pelas mais altas instâncias culturais de muitos países da Europa. Então, quando
chegou, subiu discretamente ao monte mais alto, olhou a povoação em volta e
disse: “É aqui.” Tomou o castelo sem hesitar e aquartelou-se com as suas tropas
fiéis no velho Convento de Nossa Senhora da Saudação e ali, naquele espaço
quase esquecido, mas sempre místico, preparou-se para, quero acreditar, a maior
conquista da sua vida.
Assim, depois de uns dias de
merecido repouso, enviou ao arrabalde o seu pequeno exército que, sob o seu
comando, deu início à invasão mais pacífica da História da Humanidade. As
instituições, as associações, os grupos, as escolas, as colectividades, as
pessoas foram os seus únicos alvos. Posso testemunhar, e vocês também, que
todos os edifícios ficaram intactos. E, ao contrário de outros conquistados,
que se recusam, por direito, a sê-lo, aqui, nesta terra tranquila, de gente de
trabalho, de músicos e poetas, todos se deixaram voluntariamente dominar.
Não resisto em inspirar as
próximas linhas num pequeno texto que escrevi, há pouco tempo, para o Rui, sobre
o Rui. Consumada a tomada da cidade, mergulhando no ser e no saber deste povo
tão extraordinário que é o nosso, Rui Horta e o Espaço do Tempo começaram a
confundir-se um com o outro ao longo dos seus 22 anos de existência. Passou a
haver, a partir de determinado momento, dois tempos diferentes: Antes do EdT e
Depois do EdT. Nesta segunda era, que se prolonga até hoje, as instituições da
cidade e do concelho foram amigável e carinhosamente confrontadas com os seus
limites através de novos desafios estéticos, técnicos e performativos, que as
obrigaram a sair das suas zonas de conforto e a acreditar que, em palco, sob a
luz da ribalta, todas podiam ser mais, muito mais, do que a soma dos seus
elementos.
A escolha do Convento da
Saudação, na nossa cidade, para berço desta instituição, levou a que aquele
elemento dominante do nosso património arquitectónico se transformasse num
ícone de criação e de liberdade, objectivos exactamente opostos aos promovidos
quando da sua construção, no início do século XVI, para albergar um grupo de
religiosas dominicanas. Deliciosas ironias
da História.
A partir de agora, novos tempos
se aproximam. O Rui deixará a direcção artística do Espaço do Tempo, mas acreditamos
que a herança do Homem, do Coreógrafo, do Bailarino, do Artista e do Humanista,
irá perdurar e que, sob a nova direcção artística do Pedro, a instituição
continuará a abrir portas ao Mundo, à cidade e ao concelho, às suas forças
vivas e aos seus habitantes.
A
montra de galardões que o Rui conquistou durante a sua vida ainda não está
completa. Falta-lhe aquele prémio que vai receber de todos nós, esta noite.
Assumo perante todo este público que não fui instruído ou mandatado por quem
quer que seja, mas tenho a certeza absoluta de que posso, sem qualquer receio, e
em nome de todos, condecorar o Rui Horta com o mais precioso galardão que nós,
montemorenses, lhe podemos atribuir. Assim, em nome de todos e da amizade e do
carinho que sentimos por ti, e em recompensa pelas “obras valorosas” que nos
ensinaste a amar, e pela revolução cultural que operaste na nossa cidade, e
porque Montemor também é a terra da Pia e dos teus filhos, por tudo isto, concedemos-te
orgulhosamente o mais alto grau que o nosso coração permite: O GRAU DE
MONTEMORENSE HONORÁRIO PARA TODO O SEMPRE!
Obrigado, Rui!
LÚMEN - Cine-teatro Curvo Semedo, 23 de Setembro de 2022
João Luís Nabo
1 comentário:
Olha que bonito ☺️
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