Rui Horta – de Montemor para o Mundo
Depois de ter
trabalhado nos mais prestigiados palcos do mundo, Rui Horta chega à cidade de
Montemor-o-Novo e instala num esquecido convento dominicano, quase em ruínas, o
hoje incontornável Espaço do Tempo. Vinte e dois anos depois, o edifício está,
finalmente, prestes a entrar em profundas obras de restauro e Rui Horta
despede-se publicamente do cargo de director artístico, no Cine-teatro Curvo
Semedo, com a sua derradeira criação.
A escolha do Convento
da Saudação para berço da sua instituição levou a que aquele elemento dominante
do nosso património arquitectónico se transformasse num ícone de criação e
liberdade, objectivos exactamente opostos aos promovidos quando da sua
construção, no início do século XVI, para albergar um grupo de conformadas
freiras dominicanas. Deliciosas ironias
da História.
Do alto do monte
maior para o Mundo, Rui Horta e o Espaço do Tempo acabaram por confundir-se um
com o outro ao longo destes vinte e dois anos de existência. No velho convento,
casa aberta para criadores e artistas de todo o globo, nasceram obras
absolutamente únicas que acabariam por percorrer os grandes palcos do
planeta. Passou, pois, a haver, a partir
de determinado momento, dois tempos diferentes: Antes do EdT e Depois do EdT.
Durante esta segunda era, que se prolonga até hoje, as instituições da cidade e
do concelho foram amigável e carinhosamente confrontadas com os seus limites,
através de novos desafios estéticos, técnicos e performativos, que as obrigaram
a sair das suas zonas de conforto e a acreditar que, em palco, sob a luz da
ribalta, todas podiam ser mais, muito mais, do que a soma dos seus elementos.
Assim, também os artistas amadores desta cidade e do concelho – grupos corais e
de dança, bandas filarmónicas, escolas, grupos de teatro e associações da mais
diversa índole – tiveram lugar nos planos do coreógrafo ao longo destas duas
décadas. Lúmen, a sua grande festa de despedida, foi, sem dúvida, disso
a melhor prova ao envolver perto de meia centena de actores, bailarinos,
cantores, técnicos e produtores que demonstraram, em três sessões praticamente
esgotadas. no monumental cine-teatro da cidade, que não há limites para a
criatividade.
A partir de agora,
novos tempos se aproximam. Rui Horta deixará a direcção artística do Espaço do
Tempo, mas a herança do Homem, do Coreógrafo, do Bailarino, do Artista e do
Humanista, irá perdurar e, sob a nova direcção artística de Pedro Barreiro, a
instituição continuará, temos a certeza, a abrir portas ao Mundo, à cidade e ao
concelho, às suas forças vivas e aos seus habitantes.
Marcelito, já te
tenho dito…
Se em Montemor o
cenário do nosso quotidiano é, aparentemente calmo, com uma ou outra excepção
divulgada nas redes sociais, mas que aqui não terá tempo de antena, já no país
as coisas estão ao rubro e logo com o
nosso querido Marcelo no centro das atenções. E isto, porquê? Porque o senhor
não se cala nunca. E quem temos visto e ouvido nos últimos tempos não é o
Prof. Marcelo, Presidente da República, mas o Prof. Marcelo, comentador da TVI.
Amante de multidões, venerador de jornalistas, esqueceu-se há algum tempo, e de
forma completa, de que mudou de funções há pouco mais de seis anos.
Depois, há outra
coisa que começa a irritar os portugueses. Como se costuma dizer que quem foi professor nunca o
deixou de ser, Marcelo, cada vez que vê uns microfones apontados ao nariz,
assume que é seu dever dar aulas de moral aos portugueses, ao primeiro-ministro,
aos ministros, ao clero… E, depois, para ele as coisas estão quase sempre bem.
Portugal é o maior, os portugueses são espectaculares, mostram-se solidários
uns com os outros, hospitaleiros para quem escolhe o nosso país para viver,
quando a verdade nem se aproxima desse país de sonho, habitado por fadas e gnomos:
estamos novamente a caminho de qualquer coisa próxima da bancarrota, os preços
não param de aumentar com a subida dos preços dos combustíveis, há um ditador
por aí, algures, a matar ucranianos e a mandar em nós todos, alguns
compatriotas nossos assassinam as mulheres e violam os filhos, muitos dos imigrantes,
que chegam às dezenas diariamente a Portugal, são despejados em barracas perto
das zonas de trabalho e ali sobrevivem na maior das misérias, longe da família,
vítimas de exploração e de chantagem, os escândalos com membros do Governo e
com elementos da Igreja não param de crescer… E fico-me por aqui.
Por
isso, caro Professor Marcelo, Portugal, nos tempos que correm, até nem está
nada de especial, por muito que o senhor não queira ver. E há assuntos em que
não se devia meter. Lembra-se de um senhor chamado Cavaco Silva? Recorda-se de
ele ter pedido desculpas aos portugueses por alguma barbaridade que tenha dito?
Pois… Cautelas e caldos de galinha nunca foram demais. Fez os seus dois
mandatos caladinho que nem um rato e hoje, assim que fala ou escreve um
livrinho, toda a gente abre os ouvidos, num misto de curiosidade e receio do
que ele vá dizer… Eu, pessoalmente, gosto mais de si, Professor Marcelo, e é
por isso que começo a sentir, se me permite, alguma vergonha alheia quando o
ouço nas televisões.
A sua presença na
minha (nossa) vida é tal, que já cá disse em casa que, qualquer dia, quando
regressarmos do trabalho ou dos ensaios do coro, ainda o vamos encontrar a
brincar com Balú e a Ginja, à nossa espera para o
jantar. Provavelmente, até já pôs a mesa e aqueceu o resto da sopa e o bacalhau
à Brás que sobrou do almoço, que isto, como a coisa está a ficar, não se pode
desperdiçar nem um raminho de salsa.
João Luís Nabo
In "O Montemorense", Outubro de 2022
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