quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

A estética, a ética e outras coisas de pouco interesse

 

           



       I         

A estética

             Se me quiserem um dia aborrecer a sério, atirem-me com aquela dos “gostos não se discutem”. E muito mais lixado fico quando esses gostos se referem à forma como estão a ser reabilitados vários espaços da nossa cidade. Precisavam de uma reestruturação? É possível que sim. Era forçoso acabar com a ruína de alguns pontos e ressuscitá-los? Claro que era. Seria importante manter a cidade inteira e viva, com futuro no Mor e mais-na-sê-quê? Evidentemente que sim. É por isso que os gostos se discutem, sim senhor, e o nosso sentido estético também, porque tem muito a ver com a forma como nós vemos as formas das coisas.

Sessenta e um anos a beber Montemor todos os dias não são meia-dúzia de meses (e já foram muitos, que o digam os comerciantes e habitantes da Rua de Aviz) que os técnicos responsáveis pelas alterações na cidade levaram a concretizar os seus projectos. Sessenta e um anos de Montemor dão-me a legitimidade de dizer, em qualquer lugar e a quem quer que seja, que não gosto do que fizeram à minha cidade e que, por isso mesmo, os gostos discutem-se sim, senhor. Que raio de bancos são aqueles que espalharam pelas ruas e largos emblemáticos de Montemor? Que floreiras horríveis são aquelas que semearam a eito Rua de Aviz afora? Que lajes de cimento são aquelas, todas tortas e que ficam encardidas assim que passa um caracol, e que nada, sublinho o NADA,  têm a ver com Montemor e o Alentejo, onde esta terrinha se situa? Digam-me, por favor, qual é o sentido estético que deram ao novo Largo da Câmara? Aquele é o Largo da Câmara de que cidade, de que vila? E o Largo de São João de Deus? Porquê aqueles desníveis à volta da estátua? Por ser moderno? Porque se faz noutras cidades do Norte ou do Sul? Eu estou-me a marimbar para as cidades e para os técnicos e para os arquitectos e engenheiros das cidades do Norte ou do Sul. Eu queria era que os técnicos que trabalham na e para a minha cidade tivessem tido em conta o nosso passado, o nosso presente e a traça tradicional de cada praça, de cada rua. Isso é que eu queria. O meu desgosto, a minha desilusão é para com estes que não tiveram em conta a nossa história e, sobretudo, a vida, a longa vida, de quem cá vive e tem de levar todos os dias com aquelas coisas estranhas que se chamam floreiras e bancos e cenas e tal que só empatam… a vista e a sensibilidade.

E o Jardim Público?” perguntarão. Bom, é como dizia o outro: primeiro, estranha-se e depois entranha-se. Mas em relação ao Jardim, do mal o menos. Ficou mais aberto e mais disponível para a cidade. Só não faz é pandã com o muro do Jardim dos Cavalinhos, nem com o muro da Carlista, nem com os gradeamentos da Pedrista, o que até pode ser uma nova ameaça para aquela zona… Eu nem quero pensar!

Sei que a responsabilidade por estes gostos e por estas opções estéticas não são do actual executivo, mas sei que os responsáveis por tais avarias deveriam reflectir no que fizeram para não o repetirem noutra cidade qualquer. E não. Não estou contra os comunistas, nem contra os pêessedês, nem contra os pans, nem contra os bloquistas, nem contra os chegas, nem contra os socialistas, nem contra os cdesses. Estou apenas contra o mau gosto que começou a reinar na minha cidade. E é por isso que não me calo. Ou então, admitam esse erro estético colossal e, aí, calar-me-ei para sempre.

 

 

II

A ética

O nosso recém-eleito primeiro-ministro não quer falar com o Chega. Está mal. Será este um dos primeiros sinais da ditadura socialista que para aí vem? Ou é apenas uma birra do António só porque o André lhe disse que ia atrás dele? Birras de gaiatos tratam-se com um pequeno açoite e, sim, o Costa devia receber o Chega tal como recebe todos os outros partidos. Depois, o que lhe dirá, isso é lá com ele, mas a sua recusa em receber um partido com assento parlamentar fica-lhe mal e assusta-me. Não sei se o Chega lhe faria o mesmo se fosse eleito. Talvez sim, talvez não. Jamais o saberemos, de facto. Mas o Costa devia ser o primeiro a dar exemplo de lisura, educação e democracia. Se eu tiver ideias completamente opostas às de Costa também ficarei posto de parte? Nunca o saberemos, porque eu não sou político.

Se eu gosto do Chega? Não sou obrigado a gostar de todos os partidos do espectro político, muito menos daqueles que não me dão confiança numa democracia aberta e pluralista. Mas que André Ventura deveria ser recebido pelo primeiro-ministro, disso não tenho dúvida.

 

III

Os anni horribiles do ensino

Passámos praticamente dois anos com aulas “à distância”. Primeiro, foi aprender teoricamente como é que tudo funcionava, com tutoriais e cenas no Youtube e assim, que não me chegaram a ensinar a ponta de um corninho. Depois, foi a aprendizagem na prática, a chatear os amigos que, mais do que amigos, pacientes e talentosos, conseguiram com que eu dominasse mais ou menos o esquema para poder dar as minhas “aulas”. Escrevi “aulas”, com aspas, porque o que fiz através do computador e da tristemente célebre (na minha opinião) Plataforma Teams não foram aulas. Foram qualquer coisa parecida com uma entretenga televisiva, assim tipo programa do Marco Paulo, para que as matérias não se fossem perdendo totalmente e para que os alunos, entre umas mensagens e outras, entre uns jogos e outros no telemóvel, com os amigos do costume, fossem adquirindo os conhecimentos minimíssimos para que eu os pudesse passar de ano.

Tudo isto foi uma afronta para quem é professor a sério. E não me venham os professores excelentes e iluminados (há muitos por aí) dizer que as aulas online foram o supra-sumo da pedagogia, porque não foram. (E eles também sabem que não foram). Foram, sem sombra de dúvida, uma verdadeira perda de tempo. Para não falar no fosso profundo que se cavou entre quem tinha possibilidades e skills digitais e entre quem morava em zonas da cidade ou no meio do campo, sem acesso à Internet e, consequentemente, sem acesso a qualquer contacto com a escola. Que o digam os pais, os alunos e… os professores.

Eu sei dar aulas (acho que sei), mas é numa sala de aula, com um quadro e com um pau de giz à minha disposição. Com livros, cadernos, filmes e outros recursos digitais, e cérebros a seguirem o que eu lhes ensino, sem distracções nem modernices de maior, sem a mãe a vir entregar o lanche às quatro em ponto, ou sem a avó a precisar de ajuda para fazer o chá.

Durante a Pandemia, pouco se aprendeu. Aprendi, sim, que nada substitui a sala de aula e o mar de cabeças à espera de qualquer coisa útil que possa partir de quem está à sua frente.

Pronto, este mês foi assim. Para o próximo… logo se vê.

In "O Montemorense", Fevereiro de 2022

João Luís Nabo

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Os porcos e os homens




1         

           

O balanço do ano que passou é igual ao balanço do ano anterior e podíamos ficar por aqui, porque chega, repetidamente, de falar de coisas aborrecidas, dramáticas para muitos, que nos surpreenderam a meio das nossas vidas, sem pedir permissão para entrar. Como uma espécie de tia-avó, chatinha e com mau hálito, que tivesse decidido aparecer por tempo indeterminado. Ainda assim, já arrisquei uma breve reflexão que plasmei nas redes sociais e que posso muito bem partilhar aqui com os meus nove leitores, sempre à espera de novidades. Pois, acho que concordam comigo. A pandemia veio pôr à prova muitas das nossas forças, da nossa paciência, da confiança em nós próprios e nos outros, acabando também por reforçar a nossa autoestima e a confiança e a amizade nos que nos rodeiam e connosco convivem nesta prolongada crise.

Os acontecimentos sucederam-se, com os políticos completamente apanhados de surpresa, a cometerem erros uns atrás dos outros, porque também eles, tal como nós, nunca se tinham visto confrontados com tal situação. E é preciso dar-lhes esse benefício da dúvida, essa margem de manobra onde tentam, e disso não tenho dúvida, combater e levar-nos a combater a grande guerra das nossas vidas. Nem por um dia queria eu estar nos seus difíceis lugares de decisão e de controlo desta pandemia e de outras pandemias crónicas.

Ainda assim, foram quase 24 meses de incertezas, de doença, de mortes de amigos e familiares, que nos mantiveram constantemente em estado de alerta e não nos deixaram indiferentes. Durante estes dois estranhos anos que passaram, perdemos e ganhámos, tivemos sucessos e fracassos, fomos muitos seres diferentes num só, espartilhados entre decisões acertadas e outras completamente disparatadas, amámos e ignorámos, defendemos e atacámos, fomos crentes e ateus, trabalhadores e preguiçosos, criativos e obtusos, rimos e fizemos rir, ensinámos e aprendemos, escrevemos livros e lemos muitos mais, plantámos árvores, criámos animais domésticos, cantámos e fizemos cantar obras imortais, fomos duros connosco e com os outros, fomos suaves no trato, tolerantes e intolerantes, disponíveis e encerrados em nós próprios. Fechámos portas que precisavam de ser fechadas e abrimos outras que precisavam de ser abertas, mimámos velhos amigos, que estão sempre onde precisamos deles, e fizemos novos, daqueles tão raros e improváveis que queremos que fiquem connosco até nós já sermos velhinhos, até eles já serem velhinhos, porque também eles passaram a estar no sítio certo, à hora certa. Em suma, fomos humanos, com todas as nossas glórias e misérias. E, imaginem os meus amigos, até cá em casa apanhámos Covid, apesar dos cuidados, das máscaras e do gel, das vacinas e dos testes… para logo de seguida sermos inundados de mimos nos mais diversos formatos, motivados pela preocupação de quem cuida.

Por isso, estamos gratos a todos os que fazem parte da nossa História de Vida. Continuamos firmes e prontos para continuar a amar esta cidade e cada átomo da nossa existência.

Mas há a Dúvida. A Dúvida, esse grão de areia que se enfia na nossa corrente sanguínea e nos mói até à exaustão. A Dúvida continua, porém: até quando viveremos assim, entre testes e vacinas, confinamentos e saídas precárias? Até quando teremos esta nossa vida transformada permanentemente em meia-vida? Até quando teremos de esperar até voltarmos à nossa vida em pleno, tantas vezes simples e sem glória, mas sem vírus e sem a espada de Dâmocles sobre as nossas cabeças? “Até quando, Catilina, abusarás da nossas paciência? Por quanto tempo a tua loucura há-de zombar de nós?”

2

 

E o que falta referir ainda? As próximas eleições legislativas e as absurdas dezenas de debates televisivos, claro! Tudo em contra-relógio, tudo com os minutos contados, tudo muito atabalhoado, com os candidatos às Legislativas a degladiarem-se como putos reguilas no recreio da escola, porque o meu telemóvel novo é melhor do que o teu.

Os ataques pessoais sobem de tom, deixando para segundo plano a procura de soluções para o país que, neste momento, precisa urgentemente de soluções e não de mais problemas. Costa não me parece bem na foto nesta novela das eleições. Está constantemente a assumir a pose de virgem ofendida, como quem diz: “Chumbaram-me o Orçamento, agora aguentem!” Parecendo crianças mimadas de volta do mesmo brinquedo, os nossos políticos, ao contrário de uma das mães na história do Rei Salomão, querem um país dividido, estraçalhado, onde não se note a diferença entre a esquerda e a direita, e sem deixar claro até onde pode ir o valor político de homens, que tanto fazem acordos parlamentares ou extra-parlamentares, pré-eleitorais ou pós-eleitorais com um qualquer, desde que isso lhes dê acesso ao poder. São imagens que nos confundem mas que não nos surpreendem.

O pessoal que põe o voto nas urnas dá-se melhor com a Cristina Ferreira e as suas cobaias, com os programas televisivos da manhã e da tarde, os tais das desgraças, onde se expõem intimidades de cidadãos comuns perante um público ávido de sangue e de lágrimas.

Tal como termina George Orwell no seu icónico Animal Farm (O Triunfo dos Porcos, na sua primeira versão em língua portuguesa e, por acaso, uma tradução de qualidade discutível) “as criaturas olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez, mas já era impossível distinguir quem era homem e quem era porco.”

Sim, somos o país que somos, quase meio século depois de uma certa Revolução. Onde “todos são iguais mas onde há uns mais iguais que outros”. Temos, pois, os políticos que merecemos.

Os jovens que tomem conta disto, porque os velhos já não conseguem deixar de olhar para o seu próprio umbigo e nem forças têm para levantar as taças de champanhe já com sabor a outros tempos que não deviam voltar.

 

 

 

 

 

 


quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

O Natal do nosso descontentamento

 

          



1         

           Parece que a Justiça pôs a mão na consciência e decidiu oferecer uma prenda de Natal a alguns meliantes de colarinho branco do nosso país. Já consta que não avançam com mais ofertas para não chocar as famílias e os vizinhos de outros que tais porque, coitadinhos, se, na verdade, roubaram milhões e milhões ao povo, não o fizeram por mal. Nós sabemos: têm famílias numerosas e, como o subsídio da Segurança Social se atrasou um bocadinho, decidiram tratar do assunto para ninguém lá em casa morrer à fome.

Portugal continua um pântano. Um quintal cada vez mais mal frequentado, onde os maiores desgraçados morrem à fome, enquanto outros, que gozam descaradamente com todos nós, esperam que prescrevam todos crimes de que são acusados. O povo vai levando com estas detenções esporádicas pelos olhos dentro para deixar de pensar mal da Justiça, dos juízes e dos tribunais, que ainda têm muito que dar ao dedo até vermos a corja de bandidos toda enfiada na prisão.

Mas cuidado, ó cidadãos! Não se atrasem com o pagamento do IRS, nem do IMI, nem da água, nem da luz, nem do telefone, nem do gás. Nem das multas, nem da renda de casa, nem das prestações ao banco. Nem se atrevam a serem apanhados em excesso de velocidade ou ligeiramente sorridentes. Tudo isso é crime e serão condenados sem dó nem piedade pelos tribunais, pela opinião pública e pela vossa santa sogra que vos julgava o par ideal do seu rebento.

  2

Esta cena do Natal põe sempre os nervos em franja à Fofa, que tem este ano uma lista de pessoas que mais parece a lista dos inscritos nas Festas do Avante ou nas Celebrações de Fátima. Rapinei-lhe as cinco folhas A4 recentemente e contei, no mínimo, 150 convivas para o almoço de Natal. Com este pequeno problema do Covid, isto é que a enerva, nem sabe ainda o que vai fazer à vida. “E se comprássemos testes para todos fazerem à porta da nossa casa, antes de abancarem à frente do peru? E será que todos querem fazer?”, perguntou-me ela, cheia de esperança numa reacção de bonomia. Olhei para ela, pus o filme na pausa, o “Sozinho em Casa 134”, e esperei que ela desenvolvesse a ideia. O Balú, sentindo de repente este silêncio cheio de tensão, arrebitou a orelha direita, depois a esquerda, depois baixou a direita e a seguir a esquerda e voltou a adormecer com uma espécie de sorriso no focinho, que é como quem diz “Vais ter de dar uma resposta, meu menino!”.

Mas não dei, porque como todos os meus amigos homens sabem, só podemos dar sequência aos desafios das nossas mulheres se continuarmos na mesma linha, sempre concordando e nunca saindo do caminho previsto. Com a Fofa é o mesmo. Olhei para ela e disse-lhe numa voz que aparentava tranquilidade: “Sim, filhinha!”, um truque que aprendi com o meu saudoso sogro. (Digo sempre isto quando sou obrigado a dar opiniões com alguma profundidade.) Ela sorriu e desatou a enviar mensagens pelo Whatsapp, ou lá como se chama essa coisa que ela usa, a convidar família, amigos e vizinhos como se não houvesse amanhã.

Serenamente, levantei-me, peguei no telefone e liguei para o primeiro-ministro: “António! Ainda tens tempo para decretar um novo estado de emergência? Sim? Ah, é com o Marcelo? Vais falar com ele? Eu espero…”

Cinco minutos depois, vi passar no rodapé da CNN Portugal (um canal 100% nacional): “Festas familiares com mais de três elementos expressamente proibidas pelo Governo.” A organizadora de eventos que vive comigo entrou na sala, assarapantada, e atirou-me: “A minha irmã telefonou-me e disse-me para ligar aquele canal português, a CNN. O que é que se passa?” Segundos depois, uma lágrima, pequena, é certo, corria tímida mas intensa pela sua bochechinha abaixo. Peguei num lenço de seda, branco com borboletas cinza, e limpei aquela pungente manifestação de dor e de desalento. Secretamente, sorri, e o Balú deu-me um toque discreto com a pata no joelho.

  3

 Nunca vivemos antes uma incerteza assim. Quando tudo parece voltar à normalidade, logo há uma nova variante do vírus que atira com tudo de pantanas. Há quem diga que, se o Vice-Almirante Gouveia e Melo tivesse continuado a liderar o processo de vacinação, este tal Ómicron não se teria atrevido a entrar no nosso país. Outros acham que a directora geral é muito fofinha e que isso veio facilitar a propagação desta nova estirpe. Sem querer dar razão a ninguém, cá em casa continuamos com os cuidados todos, sem permitirmos grande margem de manobra a esse tal novo visitante. Ainda ontem conversávamos sobre isto, já na cama, antes de dormir. “Temos de continuar a ser cuidadosos e conscientes, não achas, mô?”, perguntou-me ela. “Sim, filhinha”, respondi, com ar sério. Depois, ajeitei a máscara cirúrgica, que me tinha sobrado do último concerto do Coral de São Domingos, virei-me para o outro lado e adormeci.

  4

Apesar da pandemia e da insegurança em que vivemos, Montemor nunca esteve tão natalício como este ano. E isso é importante, embora haja quem diga que o dinheirão desta despesa devesse ter sido canalizado para ajudar quem precisa. Não discordo. Contudo, esse assunto poderá ser discutido noutra altura. Agora, o que me apraz dizer é que Montemor está a viver o Natal como nunca viveu antes, sobretudo as crianças, com toda a decoração que lhes é direccionada. O que se torna engraçado no meio disto tudo é o duelo de palavras entre alguns simpatizantes comunistas e alguns simpatizantes socialistas sobre a paternidade desta iniciativa. “Com o novo executivo, as coisas começam a estar diferentes, até os enfeites de Natal”, começam uns. “Não sejam totós!”, dizem outros. “Isto foi programado e orçamentado pelo executivo anterior!” (E não deixam de ter razão.)

E pergunto eu: o que é que isso interessa? Está bonito e ponto final.


João Luís Nabo

In "O Montemorense". Dezembro de 2021

 

Boas Festas! 

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Quatro ou cinco ideias sem importância


                                                         Foto: António Lopes

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Temos o país numa convulsão, ainda sem termos saído daquela provocada pelo vírus que nos alterou mil planos e nos separou, quer temporária, quer definitivamente, de muitos familiares e amigos. Se a crise provocada pela Covid-19 terá sido inevitável, pelo menos é o que se pensa, já esta, provocada pelos políticos portugueses, poderia muito bem ter sido adiada para outra altura, quando o país vivesse uma normalidade mais… normal. Mas não. Os partidos que gerem as nossas vidas (e todos, directa ou indirectamente, gerem as nossas vidas) decidiram que, já que o povo está mais do que habituado a crises, mais uma, menos uma, não teria qualquer importância. O orgulho cego de Costa, a teimosia surda da esquerda e a desorganização total da direita acabaram por ditar este novo caminho que nos há-de deixar ainda mais frágeis dentro das nossas já imensas fragilidades. Além-fronteiras, os outros começam a olhar de revés para nós, um pequeno povo que, ao contrário do que dizia o general romano, gostaria de ser bem governado mas não tem por quem. Aguardemos com serenidade, já que isso é coisa que, desde Abril de 74, não nos vem faltando. E até antes. Até antes.

2 

A direita está a ficar um caco com, pelo menos, dois senhores a quererem ser vizires no lugar do vizir. Rio e Rangel, laranjas até ao tutano, vêm agora para a praça pública lutar por um lugar ao Sol. E quando é que Rangel começou a dar ares da sua graça com maior frequência e intensidade? Quando percebeu que Costa ir cair e que as legislativas antecipadas iam ser mais do que certas. Aliás, se pensarmos melhor, foi Marcelo que lhe fez um claro sinal, quando ameaçou com a dissolução da Assembleia da República se o Orçamento para 2022 foi chumbado. E Rangel, inteligente e atento, percebeu essa sugestão, que de subtil não teve nada, e lançou-se ao ataque. É assim a política, meus caros. Todos almejam os quinze minutos de fama do Andy Warhol. Assim, logo que surge essa possibilidade, não hesitam. Não sei se Rangel dará um bom PM. Não sei se melhor ou pior que RR ou Costa. Sei que o actual boss está cansado e em aparente desistência, mas aberto a qualquer tipo de aliança para garantir o cargo. Não sei se vai ter essa sorte. Ou nós esse azar. Aguardemos, pois.

 

3

O pessoal tem passado os últimos tempos mais à vontade e o mariola do vírus começou outra vez a pôr as antenas de fora, apesar das vacinas, e ainda que a maioria dos portugueses tivesse tido todos os cuidados aconselhados pelas chefias. Começámos a reunir com quantidades consideráveis de amigos e colegas à volta da mesa, a visitar os familiares nos lares e hospitais, a passear por outras cidades, nacionais e estrangeiras, a solo ou em grupo, a participar em eventos culturais com uma descontracção quase… pré-Covid e até com a animação que o regresso à vida normal provoca em seres humanos como nós, de afectos à flor da pele. Como já não podemos abraçar os que partiram nestes tempos conturbados e ingratos, lançamos os braços à volta dos que ainda cá estão, numa tentativa, sei lá, de nos pacificarmos e de, quem sabe, alcançarmos com este gesto os que nunca mais estarão connosco fisicamente. Mas alguém já disse (foi a Directora-Geral) que estamos todos sujeitos a um novo confinamento, se os números de internados e de falecidos continuar a aumentar. Talvez esta responsável pela Saúde o tivesse dito para prevenir ou, tal como Marcelo fez a Costa, para chantagear (quem sabe?) esta gente que já anda aí a espalhar magia como se não houvesse amanhã. Seria bom que não tivessem razão. Porque nós queremos que haja um amanhã e muitos dias depois desse para gozarmos a vida que o Deus de cada um, ou a natureza, no entender de outros, planificou para nós. Lá teremos de aguardar e, enquanto aguardamos, vamos consultando os gráficos da DGS para podermos gerir os nossos próprios comportamentos.

4 

Uma nota breve sobre o segredo de justiça em vigor no nosso país. Esse resguardo em que se embrulham os casos em investigação pelas polícias e pelos magistrados é, como sabemos, do mais frágil que há, um cobertor esfiapado que deixa ver tudo o que lá vai dentro, para alegria de muitos jornalistas e de outros tantos meios de comunicação social. No entanto, nem o Primeiro Ministro nem o Presidente da República, como dois dos representantes mais altos do poder e das instituições nacionais, foram informados dos casos vergonhosos de alegado tráfico de diamantes e drogas por elementos dos comandos do nosso país. Claro: segredo de justiça é segredo de justiça. Ponto.

5 

Na nossa santa terrinha, as coisas vão caminhando sob a égide do executivo recém-eleito, este ainda a usufruir dos planos e iniciativas programadas no tempo anterior. Está, por assim dizer, no fecho das contas. E é o tempo o factor mais importante nisto da política. O tempo e a capacidade de entrega e a vontade indomável de aprender. Se quando a CDU sucedia à CDU, essa transição estava facilitada, precisamente pela permanência das mesmas pessoas, ou quase, nos cargos, agora há que dar tempo, algum, para que a transição se faça de forma segura e transparente. É essa capacidade de partilha, esse respeito e essa lealdade ao povo, que serviram durante mais de quatro décadas, que se espera de uma força política com tanta obra feita no concelho, com tantos pergaminhos e detentora de um passado histórico de luta e de longos e difíceis caminhos percorridos em nome do povo e, sobretudo, dos mais desfavorecidos. Por isso, se pensarmos no actual grupo de trabalho, ainda é cedo para balanços apressados ou para exigências sobrenaturais. No entanto, em breve, todos nós iremos querer saber as diferenças e as semelhanças entre os que foram e os que chegaram à cadeira dos Paços do Concelho desta cidade de santos e heróis. Aguardemos.

 

João Luís Nabo 

In "O Montemorense", Novembro de 2021

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Autárquicas - Parte 2




(Foto: ODigital.pt - SAPO)


O Novo Professor da Turma


            Um professor de uma qualquer disciplina que comece a leccionar a uma turma sabe que tudo aquilo que vai ensinar será, directa ou indirectamente, a continuação das matérias, dadas por outros professores nos anos anteriores. Naturalmente que cada ser humano imprime ao seu trabalho ritmos diferentes, pinta com cores pessoais cada palavra, cada gesto ou intenção, e um professor não é excepção. Embora pareçam, por vezes, super-homens e super-mulheres, são apenas seres humanos com qualidades e defeitos como qualquer outro profissional… ou político.

Independentemente das suas crenças e dos seus princípios, o novo professor da turma não poderá, nem deverá, tentar apagar o que foi construído durante vários anos por outros colegas seus, após longas horas de prática, de planificações, estratégias, análises, reflexões, frustrações e alegrias. O novo professor da turma tem isso em conta e será sobre isso mesmo que irá construir o seu processo de ensino-aprendizagem, respeitando criticamente o conhecimento dos alunos, entendendo a dignidade dos métodos e das práticas anteriores que os levaram até aquele momento do conhecimento, e criando condições, de forma consciente, coerente e profissional, de modo a salvaguardar sempre o interesse dos alunos, com vista ao seu futuro como profissionais e cidadãos responsáveis.

O novo professor da turma não vai fazer tábula rasa de tudo o que foi ensinado aos jovens que tem à sua frente, nem poderá, nunca, ignorar os conhecimentos acumulados por eles, sabendo, isso sim, utilizá-los da melhor forma para que as suas novas ideias e os projectos mais inovadores para os alunos tenham o sucesso esperado e permaneçam depois como património solidificado e inalienável.

Porque um professor nem sempre sabe durante quanto tempo vai ficar com a turma. E muito menos quem será o seu sucessor.  

 

 

 

O Presidente da Câmara

 

Vivemos ainda o rescaldo das últimas eleições autárquicas. Após a vitória de Olímpio Galvão, pelo Partido Socialista, instalou-se, por um lado, a certeza de uma mudança no paradigma governativo autárquico e, por outro, a ansiedade que este tipo de alterações provoca nos munícipes.

Montemor viveu durante 46 anos sob a égide do Partido Comunista Português, até 1987 integrando a Aliança Povo Unido (APU) e, depois, como partido principal da Coligação Democrática Unitária (CDU). Vencendo sempre com maiorias absolutas, o partido do histórico e insubstituível Álvaro Cunhal, que tinha vindo a perpetuar-se no poder em Montemor-o-Novo, acabou agora por perder, não só a maioria, como as próprias eleições, dando lugar ao que se julga vir a ser uma nova era para o concelho onde vivemos.

A análise destes resultados, muitas vezes a roçar alguns conceitos da psicanálise, deixo-a aos politólogos da nossa praça, que cada vez são em maior número e que me parecem muito mais capacitados para isso do que este vosso cronista. Eles lá saberão responder por que é que a CDU perdeu… Por que é que a maioria do povo já não está como antes ao lado do candidato comunista… O que levou o CDS a eleger um vereador… o que provocou a quase completa invisibilidade nas urnas dos restantes candidatos, enfim, lições de ciência política que a todos trazem proveito.

Mais importante do que tudo isso, e o que a maioria de nós quer saber, é como será a nova era - na prática, no quotidiano, na nossa luta diária - que o novo Presidente da Câmara quer iniciar. Se, segundo o slogan da sua campanha, “melhor é possível”, anima-nos esta ideia, sabendo naturalmente de cor o tal ditado de Roma e Pavia, e tendo consciência de que a passagem de pastas e de responsabilidades terá um tempo próprio até à implementação, ou continuação, de medidas onde elas se manifestem necessárias. 

Por aqui irei continuar, enquanto for vivo e com saúde (e enquanto não for despedido), a reclamar, sempre que considere justo e apropriado, tal como me é outorgado pela liberdade de expressão e pela vontade de caminhar “por onde me levam meus próprios passos.” Quero empregos em Montemor. Quero casas acessíveis para todos os jovens casais que pretendam viver e trabalhar em Montemor. Quero uma articulação mais eficaz entre a Autarquia e a Educação. Quero o Centro Histórico protegido, antes que caia. Quero as ruas e os largos limpos. Quero o Rio Almansor como parte integrante da cidade e cartão de visita de Montemor, em vez da monstruosidade a que o deixaram chegar. Quero que as futuras obras públicas (se as houver) sejam produto de bom gosto e de respeito pelo espaço e pela história e traça arquitectónicas e urbanísticas da cidade. Tal como escrevi neste espaço, faz agora um mês, não quero um mandatário de um partido político “a gerir a minha terra e a mandar na minha vida. Quero pessoas. Pessoas íntegras, com cérebro, honestas, com um profundo e inalienável sentido democrático, com respeito pelas ideias dos outros, tolerantes, transparentes e com visão.”

Sem querer armar-me em moralista ou em qualquer personagem queirosiana, cheia de verdades de La Palisse, sei de muitos munícipes que votaram em Olímpio Galvão, ignorando propositadamente a sua base partidária de apoio. Não puseram o seu destino nas mãos do Partido Socialista, mas deram o seu voto de confiança a um candidato de Montemor, vindo do povo, consciente das qualidades e dos defeitos da anterior gestão camarária, pai de família, um profissional de referência e um activista, desde muito jovem, em espaços culturais e associativos. E isso, caro Olímpio, é um acréscimo na tua responsabilidade como presidente recém-eleito. Muitos chamar-lhe-iam a tua cruz. Mas nós sabemos que Montemor, que vai passar a estar no centro das tuas preocupações, nunca será a tua cruz. Eu digo apenas que é a tua paixão. E isso basta.

Bom mandato.

 

 

 

           

 João Luís Nabo 

(In O Montemorense, Outubro de 2021)

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Autárquicas outra vez

 


Foto: Manuel Roque

Deixar passar em claro este momento que todos atravessamos seria dar provas de um total desinteresse e banal despreocupação pela nossa vida social, económica, cultural e política – sim, todos somos políticos –, logo agora que o futuro do nosso concelho está seriamente em jogo. Nunca, em quarenta e sete anos de democracia, tivemos diante de nós tantas variantes partidárias, um tão largo número de nomes que se afirmam defensores legítimos de Montemor e das suas gentes, tantos políticos, com e sem experiência, uns mais antigos, outros recém-chegados, a quererem melhorar as nossas vidas e as vidas dos que virão depois de nós.

 Se os meus oito leitores (creio que, agora, serão mais – por causa do “Sertório”) estão à espera de que eu, finalmente, defina a minha posição político-partidária, tal não vai acontecer. Nem em casa anunciei ou virei a anunciar a minha tendência de voto, porque quero que todos os meus, cada um por si, ouça, leia, discuta, aprenda, entenda e decida quem será o melhor candidato para a nossa Câmara Municipal.

O leque de tendências abriu-se muito mais do que em todas as autárquicas anteriores. É extraordinária a quantidade de jovens que vieram a terreno, presencialmente ou através das redes sociais, apresentar o seu projecto político para Montemor, município a viver sob a égide do Partido Comunista deste Abril de 1974. Quando muitos de nós afirmámos criticamente que a malta nova não quer saber de política, essa presunção é, hoje, facilmente rebatível quando tomamos consciência do interesse manifestado por tantos jovens no futuro do concelho. Tal facto deixa-me orgulhoso, mais descansado e leva-me a reformular algumas ideias que tive no passado sobre este tipo de candidaturas.

 Todos os partidos e movimentos, sem excepção, podem e devem avançar com ideias, propostas, planos para que Montemor seja uma terra e um concelho mais atractivos, com mais postos de trabalho, com mais indústria e comércio, sem medo de uma maior abertura ao exterior e aos que, vindos de fora, tenham capacidade e qualidade para deixar aqui a sua pegada de progresso e de confiança. No fundo, queremos tão somente que o candidato vencedor dê provas de mais interesse e de mais respeito por todos aqueles, internos e externos, que gostariam de fazer de Montemor o seu porto de abrigo,  a terra preferida dos seus filhos e netos.

             Todos os que vão constar do boletim de voto no próximo dia 26 de Setembro se perfilam para diversificar os apoios a todos os níveis, para apoiar as instituições de cultura e desporto, para proporcionar benefícios fiscais e outros às instituições de solidariedade social, para dar apoio mais sólido e eficaz às famílias carenciadas, de modo a que sejamos uma cidade e um concelho inclusivos, onde todos, independentemente das suas capacidades e das suas limitações, tenham um lugar visível, activo e útil nesta nossa pequena, mas extraordinária, terra. Queremos deixar de ser um velho e gasto “ponto de passagem” para cultivarmos este espaço como um ponto efectivo de encontro entre os que cá vivem e trabalham e os que gostam de “passar por cá”, de forma esporádica ou mais permanente. Porque só assim faremos todos de Montemor uma cidade aprazível e atractiva, sem medo de turistas, nem de inovações credíveis, um melting pot de culturas, de saberes e de sabores.

 Por isso, os candidatos que querem conquistar o meu voto terão de querer um concelho com mais empregabilidade, uma cidade mais limpa, mais branca, menos descaracterizada, com o Centro Histórico recuperado sem as modernices estéticas e arquitectónicas de um passado recente, com as ruas arranjadas e com os problemas ambientais resolvidos. Queremos que devolvam o rio à cidade.  O rio que poderia ser já uma imagem de marca da nossa preocupação pelo ambiente e que não passa de um depósito de memórias da nossa infância.

Todos os que se vão apresentar diante de nós no dia 26 dizem amar Montemor com uma paixão sem limites e até os que não são de cá, os que nem sequer conhecem a Travessa das Farizes ou a Rua de São Vicente, se afirmam amantes desta pátria de santos e heróis. Pois bem. Também eu amo esta terra. Mas eu amo mesmo. Não é só de agora este meu arroubo de romantismo. É de sempre. E, como tal, não vou gostar de a ver maltratada e usada apenas por questões bacocas de poder ou protagonismo. Tal como os montemorenses que aqui vivem, e os que se encontram espalhados pelos quatro cantos do planeta, não quero o nome de Montemor nas bocas do mundo pelas piores razões.

 Acredito em todas as intenções, em todos os quereres de todos os candidatos. Mas não sei se, quem vier a substituir a presidente Hortênsia Menino, terá a força, a visão, a capacidade, a vontade e o espírito vanguardista para cumprir as suas promessas, nem que para isso seja necessário ignorar as directivas do partido pelo qual foi eleito. Porquê? Porque não quero um partido político a gerir a minha terra e a mandar na minha vida. Quero pessoas. Pessoas íntegras, com cérebro, honestas, com um profundo e inalienável sentido democrático, com respeito pelas ideias dos outros, tolerantes, transparentes e com visão. Com visão. 

Sei que há soluções. Sei que há futuro. Sei que há dinheiro. O próximo presidente da autarquia montemorense terá uma dura tarefa que é a de colocar o concelho no sítio que merece. Não gosto do senhor Trump. Nem das suas políticas. Nem das suas paranóias arrogantes. Nem dos seus tiques afascizados. Mas há uma frase que ouso adaptar e deixar à laia de conclusão: Montemor em primeiro lugar! Primeiro que as vaidades pessoais (e há por aí algumas). Primeiro que os interesses dos primos, dos tios e dos amigos. Primeiro que o partido que elegeu o candidato.

Montemor em primeiro lugar!

Já é altura!

É a hora!

                                                                                João Luís Nabo

                                                           In "O Montemorense", Setembro de 2021 

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Opiniões sem importância

 


            Efeito borboleta: este conceito, já desenvolvido num belo filme de 2004, de Eric Bress e J. Mackye Gruber, aplicável a tantas situações do nosso planeta e do nosso dia-a-dia, baseia-se no princípio de que “o bater de asas de uma borboleta no Japão pode causar um tufão nos Estados Unidos”. Nunca tal ideia teve tanta força de lei: estamos (alguém tem dúvidas?) a viver um permanente efeito borboleta desde há dois anos a esta parte, iniciado não por uma borboleta, mas por outros animais infectados, num mercado em Whuan, na China, em Dezembro de 2019. A partir daí foi o descalabro total.

As acções, os comportamentos, as decisões de qualquer um de nós, modestos grãos de areia de todo este complexo chamado vida, alteram substancialmente, para melhor ou para pior, a existência de outros seres que vivem a milhões de quilómetros de distância. Por isso, seria perfeitamente expectável que os festejos futebolísticos, a recusa em usar máscara, as festas clandestinas, enfim, o desrespeito total pelas normas neste tempo de pandemia só viesse a dar no que deu. Agora, aguentem-se. Aguentemo-nos. A imagem romântica e fofinha de uma borboleta a bater as asas foi por mim, desde há algum tempo, substituída pela de um morcego. O efeito é o mesmo.

 O desgoverno que nos desgoverna: governar um país nos tempos de hoje não será fácil e não invejo Costa e sus compañeros que, claramente, já não sabem como dar conta disto. O acidente na A6 que vitimou um conterrâneo nosso, de Santiago do Escoural, e a ausência de explicações por parte do ministro da Administração Interna poderão ter sido a gota de água. Fala-se de uma “megaremodelação” ministerial. Quando os meus 12 leitores estiverem a ler isto, muito provavelmente já o ministro Cabrita saiu, acompanhado de outros que já não andam cá a fazer nada de jeito. (Já agora, espero que leve também com ele o da Educação, pelos mesmíssimos motivos). Mas não serão os novos governantes que vêm resolver o caos em que nos encontramos. Eles vêm apenas tipo Deus ex-machina (vão ver o que é isto, que eu não tenho muito mais espaço para grandes explicações), à laia de manobra de diversão e para satisfazer a gritaria da Oposição que, muitas vezes, não faz nem deixa fazer.

 Terra de santos e heróis: Montemor, apesar da pandemia e desse belo e terrível conceito do “efeito borboleta”, iniciou o Verão com a abertura das piscinas e com a organização de espectáculos musicais e performativos, um pouco por toda a cidade. Enquanto escrevo, dou uma olhadaleda para o gráfico da pandemia referente ao nosso concelho e leio que há já 50 casos activos e 63 mortes até ao momento. Fiz há dias um pequeno comentário nas redes sociais em relação à abertura das piscinas. Responderam-me alguns defensores do partido maioritário da autarquia que só lá vai quem quer, outros que está tudo de acordo com as regras de segurança. Na verdade, o pessoal que dá respostas destas não percebe mesmo nada do que se está a passar. Isto não tem nada a ver com o gostar ou o não gostar de quem gere os nossos destinos. Nada disso!!!! Tem a ver com outros factores muito mais importantes do que qualquer partido político. Ou então, insistindo nas suas teorias, querem fazer valer o epíteto que, há muito séculos, engrandece Montemor: sermos terra de santos e de heróis. Mas de heróis… mortos.

             Enginhêros: o meu saudoso sogro dizia-me há muitos anos, quando falávamos sobre as novas formas de ensino e a falta de vontade de muitos alunos de se dedicarem seriamente aos estudos: “Ainda virá o tempo em que vamos parar o carro antes de atravessarmos uma ponte, batemos com os pés logo ali ao princípio da construção e, se não cair, avançamos.” Já não viveu o suficiente para testemunhar o desespero de professores e alunos para se adaptarem às aulas à distância, tipo de ensino que eu entendo, por muitos motivos, estar sujeito às mais extraordinárias fraudes intelectuais de sempre. Uma cábula na bainha da saia? Um auxiliar de memória num rolinho em letras microscópicas? Isso já passou tudo à história. O que está a dar agora são mesmo as aulas online. Daqui a duas gerações teremos professores, médicos, engenheiros, advogados, arquitectos, técnicos de toda a espécie, a funcionarem sempre com o manual de instruções à mão. Isto se o souberem ler.

 A arte de escrever ficção: a escrita é uma arma poderosa que já elegeu presidentes e derrubou governos. O acto de escrever substitui, como referiu o mestre Stephen King, a carabina com que o escritor desejaria derrubar meia-dúzia de tipos desagradáveis (tradução livre do original). Escrever é pôr tudo o que se tem, de bom e de mau, numa folha em branco. Depois da frase decidida, da página completa, do livro acabado, nada fica igual na nossa cabeça, na nossa vida e nas nossas relações pessoais. Para o bem e para o mal. E todos os que escrevem sabem disso. E, sempre à beira do abismo, aceitam cegamente, qual salto no desconhecido, todas as consequências da sua arte.  A construção do meu romance “Sertório, uma história de Vila Nova”, a sua aceitação pelos leitores e as reacções de dezenas de pessoas à história e ao autor está a ser uma das experiências mais extraordinárias da minha vida. Obrigado.


João Luís Nabo

 In "O Montemorense", Julho de 2021

segunda-feira, 14 de junho de 2021

Balancete

 

Se uns podem…

 Andamos agora a viver uns momentos deveras curiosos em termos de comportamento, no que se refere aos cuidados ainda a ter com a propagação do vírus, cujo nome todos conhecemos. Quando ainda era regra ficarmos em casa sempre que possível, não colaborar na formação de ajuntamentos, não emborcar álcool depois das oito da noite, eis que somos confrontados com os festejos do campeão nacional de futebol no Marquês de Pombal, em Lisboa, com largos milhares de foliões verdes e brancos aos saltos, como seria de esperar, para receber, com pompa e circunstância, a equipa vencedora; poucos dias depois, em Braga, ainda que numa expressão menor, também os adeptos do futebol desataram a exibir o seu legítimo orgulho pela sua equipa que, este ano, conquista a Taça de Portugal; finalmente, no Porto, adeptos ingleses das equipas em disputa pela Taça da Champions League, invadiram a Invicta, armaram serrabulho e estiveram à vontadinha, armados em conquistadores, com imperiais em punho no lugar dos canhões. Poucos dias depois, porque já não era de interesse britânico, e por ordem do Tintin Inglês, Portugal sai da lista dos países a visitar. Ex-tra-or-di-ná-ri-o! Entretanto, o resto do país, ainda e sempre amordaçado (literalmente), continuava a meio gás, com os restaurantes, o comércio, a indústria, os serviços, as escolas, os grupos artísticos, o cinema… sem saberem muito bem como seria o futuro. Como diria um amigo meu, perante estes dramas e estas contradições, e sempre a propósito, “é o que há.”

Quereis saber como se podiam ter impedido aquelas manifestações de euforia desportiva misturada com a alegria de se ser livre por uma noite? Pois, não sei. Pela imposição da lei, à força de bastonadas? Isso seria absurdo e acabava por dar origem a uma guerra civil. Alertar os foliões para os perigos que representavam os ajuntamentos? Isso eles já sabiam. Disponibilizar de imediato meios de testagem rápida para determinar o isolamento de muitos deles? Talvez fosse esta uma das formas…

O que se tornou óbvio foi a reacção dos que não foram a essas manifestações e continuavam, então, a cumprir as regras do confinamento e do recolhimento domiciliário. E essa atitude, perante a diferença de tratamento, só podia ser esta: “Se uns podem, eu também posso. Compadre Costa, que raio de democracia é esta?”

Um facto inegável é o número de infectados que está a subir todos os dias. Estão admirados? Claro que não. Eu também não. E o Presidente da República também não. E o primeiro-ministro? Bom, desse governante é difícil saber a opinião, quando a lei portuguesa e as autoridades decidem tratar de forma diferente os filhos da mesma nação, e assobiar para o lado, quando centenas de aliados britânicos, meio vestidos, meio despidos, se lançam em massa na propagação do Covid e de outros vírus associados, como se não houvesse amanhã.

Uma coisa é certa: se queremos momentos de alegre (mas pouco são) convívio com familiares e amigos, já em número acima do normal, marquemos uma manifestação a favor de um clube qualquer. Ninguém terá autoridade moral para nos repreender, multar ou mesmo identificar na esquadra mais próxima. Eu, para evitar problemas, ando sempre com o cachecol do meu favorito no bolso.  (Estou a pensar organizar uma festa para comemorar a manutenção do clube do meu bairro nas distritais sub-14. E as autoridades não poderão fazer nada.)

Entretanto, nas nossas escolas, professores, alunos e funcionários continuam, contrariados, claro, a usar máscara. Dentro dos blocos de aulas, nas salas de trabalho e… no exterior da escola. Haverá excepções, como em tudo. Há sempre umas gaivotas que, assim que saem da escola, tiram a máscara, rumam em direcção às esplanadas e… siga a marinha. Mas, pensando bem, depois de tudo a que já assistiram, quem é que os pode condenar? Eu não.


Fim de ano (des)lectivo

Estamos a terminar as aulas. Depois de quase dois anos lectivos profundamente atípicos, vamos dar algum descanso aos alunos e vão os professores também passar uns dias longe das questões em que estiveram envolvidos no decorrer deste tempo de pandemia.  Todos nós aprendemos qualquer coisa com tudo isto. A adaptação dos alunos e dos professores às potencialidades de um ecrã de computador  não foi fácil e demorou algum tempo até todos nós, comunidade educativa, acreditarmos que poderíamos ultrapassar este problema. Fizemo-lo, de vez, com algum estudo da nossa parte, por vezes perdidos nos mil e um pormenores tecnológicos, mas angariando uma boa ajuda por parte de colegas e amigos e, claro, seria inevitável, após algumas experiências mal sucedidas.

Terminado o processo por mais este ano, poderemos dizer que houve um balanço positivo? As matérias foram leccionadas na íntegra e, na perspectiva dos professores (e dos alunos), foram bem leccionadas? Teriam todos os alunos as mesmas condições de acesso às tecnologias? Teriam todos eles familiares e amigos que os encaminhassem e auxiliassem neste novo universo do ensino à distância? Não me parece que assim fosse. Então, deveríamos passar uma esponja que apagasse estes dois anos lectivos e começar tudo de novo? Claro que, para além de absurdo, seria impossível e não levava a lado nenhum. Aceitar o que existe é, para já, a nossa única possibilidade. Reforçar conhecimentos e matérias no decorrer do próximo no lectivo parece-me ser uma das soluções possíveis. Aprender a utilizar de forma mais eficaz as ferramentas tecnológicas que temos à disposição para o ensino à distância também acho que será a única aposta viável e útil em termos de futuro. Entretanto, esperar que a situação pandémica não se agrave para que possamos regressar à nossa vida normal é aquilo que fazemos todos os dias. Vamos acreditar que tal seja possível.

Uma questão, independentemente dos aspectos positivos e negativos do ensino à distância, ou do teletrabalho de uma forma geral, é que, se antes da pandemia nada estava garantido na nossa vidinha, este célebre vírus veio transformar essa certeza numa verdade sem discussão.


João Luís Nabo

In "O Montemorense", Junho de 2021



segunda-feira, 17 de maio de 2021

Moralidades

                                                     

                                                            Foto: Ricardo Feijão

 “Cada coisa a seu tempo tem seu tempo”, refere num belíssimo poema Pessoa vestido de Ricardo Reis. Nós, longe da genial capacidade reflexiva do poeta, nunca pensamos nisso. Talvez por não termos tempo para parar e pensar. Queremos chegar ao fim da jornada o mais depressa possível, esquecendo-nos, bastas vezes, de viver cada momento com a intensidade com que, e com quem, deve ou merece ser vivido. Os milhares de filósofos de fim-de-semana que povoam o Facebook e outras redes sociais do género publicam diariamente “pensamentos” em modo de conselho para quem anda distraído com a vida. Eles são os primeiros a viver nessa distracção, porque em vez de publicarem essas “moralidades” deviam era estar a vivê-las.

 O pessoal pensa que estamos a ficar livres do vírus só porque a vacinação vai avançando a um ritmo aceitável. Claro que não é bem assim. Os adeptos do Sporting esqueceram-se completamente de que estamos a viver ainda uma grave pandemia e juntaram-se em festa, a comemorar o título, como se não houvesse amanhã. Agora está um país inteiro à espera para ver se os infectados com o vírus, se os houver, começam a dar sinal nos gráficos da DGS. Espero sinceramente que não. Se achei aquela loucura verde normal? Claro que sim. Normal… mas insensata. Seria assim a mesma loucura se fosse encarnada ou azul. A razão não chega para explicar o que a psicologia nos mostra em três penadas. Como não podia deixar de ser, os líderes desses clubes já fizeram as suas críticas e traçaram as suas moralidades, escondendo, digo eu, que os seus sócios e adeptos fariam exactamente o mesmo se ganhassem o campeonato, quer houvesse ou não Covid-19. Mas o futebol em muito se assemelha à política e isso também não é novidade para ninguém. “Se fosse comigo, tudo seria diferente”, dizem. E nós sabemos que não é assim. E eles também.

Quanto à actuação das autoridades…? Bom, elas ainda não acabaram de discutir de quem foi a culpa para as medidas de contenção não terem funcionado. Mas eu digo o que todos já sabem: a culpa foi da falta de visão de quem manda. Ou então da falta de força para mandar. Não se façam agora de virgens ofendidas, se faz favor.

 Quem nunca, no calor de uma acesa discussão, no auge de um ataque de fúria incontrolável, depois de ter martelado um dedo ou dado uma topada no pé de um móvel, disse uma palavra daquelas mais pesadas que tanto nos envergonham como nos libertam? O soltar de um palavrão, em tempos considerado quase um acto criminoso (e junto de senhoras era motivo de condenação eterna), é hoje tão normal como beber um copo de água. Jovens, eles e elas, e adultos, eles e elas, não se coíbem que utilizar o que há de mais vernáculo na nossa língua para manifestar sentimentos, estados de alma, alívio ou preocupação. Todas as situações são as ideais para soltar o que, há muito, só em circunstâncias muito restritas, nos atrevíamos a soltar.

Nas escolas, os professores fazem ouvidos moucos à linguagem dos alunos e das alunas (mandá-los refrear o palavreado seria considerado censura, não é?), na televisão, um meio ainda com uma fortíssima influência em todos nós, em programas transmitidos em horário nobre, o palavrão é cada vez mais uma constante e é utilizado quase como uma coroa de glória.

Não estou a armar-me em moralista. Estou a constatar um facto que já me começou a preocupar, sobretudo se são figuras públicas a protagonizar esses momentos de pouca elevação linguística. Se eu digo palavões? Claro que digo. Com precisão, classe e extraordinário sentido de oportunidade. Nem sempre sou compreendido, porém.

 Ainda um pouco a medo. Ainda com passos curtos. Curtos mas certos. Os artistas e as associações culturais estão agora a reiniciar a sua vida. Começam a ser anunciados concertos e outros tipos de espectáculos. A longa travessia do deserto parece estar com um fim à vista. Os técnicos de palco, os artistas, os seus agentes e patrocinadores preparam-se agora para o grande desafio que é trabalhar em segurança e fazer com que os espectadores regressem às salas. A retoma parece-me possível. A arte pode ser feita em segurança. Em Montemor, por exemplo, já começamos a “ver mexer” quem há muito estava parado. Que perdure este tempo de esperança.

             Às vezes, somos um povo muito engraçado. Falo de Montemor e de nós, os montemorenses. Estão em curso as obras de remodelação do Largo de São João de Deus, também conhecido como Largo da Matriz. Pelo que nos foi dado a ver, o espaço vai ficar diferente. Acredito que com mais vantagens para a circulação de carros e peões. Também sei que irei ter dificuldade em habituar-me ao novo visual daquele micro-espaço tão icónico da minha cidade. Mas não terei outra alternativa. Pois circulava nas redes sociais (outra vez as redes sociais) a ideia de que o Largo já não iria receber a icónica estátua do padroeiro da cidade, São João Deus, nascido a poucos metros daquele local. Tal ideia, posta a circular por aí, é um verdadeiro insulto à equipa que esteve envolvida no projecto e um insulto ainda maior à autarquia. Nem por um momento duvidei da insensatez e do veneno que destilava tal desinformação. Por isso é que eu acho que, às vezes, somos um povo muito engraçado. Nós, os montemorenses.

 

João Luís Nabo          

               In "O Montemorense", Maio de 2021 

Distraídos crónicos...


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