terça-feira, 17 de maio de 2016

Caravelas




(Foto: autor desconhecido)

E quando nada nem ninguém poderia prever, um breve dilúvio abateu-se sobre Montemor no dia 11 de Maio, abrindo uma ferida profunda numa das praças mais emblemáticas da cidade. O Jardim Público, elemento arquitectónico com largas décadas de existência, faz da Praça da República, juntamente com as sociedades Carlista e Pedrista, um conjunto perfeito com a arquitectura do prédio em frente, onde se situa o Café Almansor, cujos nome e história se confundem com o nome e a história do próprio largo, onde desaguam sete das ruas da nossa terra. Parte do muro do Jardim ruiu em consequência de um deslizamento de terras que forçou a antiga armação a cair para o lado da Rua de Olivença. Não houve registo de feridos, felizmente, embora um carro ali estacionado tivesse ficado danificado.
Ainda não li qualquer reacção por parte dos partidos da Oposição que, normalmente, e como é da praxe, procuram atribuir responsabilidades por este tipo de situações e que quase sempre apontam a Maioria como principal alvo das suas críticas. Desta vez, e à data deste escrito, ainda não o fizeram. Nem serei tão pouco eu a fazê-lo. Porque não sei como se pode evitar estas catástrofes e porque penso que os responsáveis autárquicos, maioria e oposição, já terão pensado em tornar efectiva uma vistoria rigorosa a todos os edifícios do centro histórico que se encontram em situação de iminente desmoronamento. A chuva, o sol, o vento e a poluição que têm vindo, ao longo de décadas, a conviver com os edifícios das décadas de 20, 30 e 40 do séc. XX, começam a fazer os seus efeitos erosivos, sobretudo em imóveis devolutos e cujos proprietários não se encontram financeiramente em condições de proceder aos necessários melhoramentos e, muito menos, a uma total reconstrução dos seus imóveis antigos.
Há vários anos que muitos montemorenses, quer verbalmente, quer por escrito nos jornais da terra, vêm a alertar para o estado de degradação de alguns dos edifícios da histórica “encosta do Castelo” e daqueles que circundam outro largo emblemático da cidade – o Largo General Humberto Delgado. Mais quatro ou cinco tempestades como a que destruiu o muro do Jardim bastarão para deitar abaixo alguns prédios do mítico largo onde se ergue o Monumento aos Combatentes da Primeira Guerra.
Se, aparentemente, houve algum desleixo com o estado do muro Jardim Público, que este acontecimento nefasto, que para nós, montemorenses, tem o valor de uma verdadeira tragédia patrimonial, sirva para alertar quem de direito, de modo a, urgentemente, evitar-se repetições. Montemor não pode ser visto como uma velha caravela, esventrada, abandonada ao sabor das intempéries, que, por falta dos contínuos e necessários cuidados de manutenção, deu à costa, mil tempestades depois, a gritar por socorro. Exigimos da autarquia uma maior vigilância e os meios necessários para prevenir estas situações que deixam na traça da cidade cicatrizes difíceis de sarar. Como? Não me compete a mim dizê-lo. E, já agora, que não apliquem as modernices habituais nas reconstruções do género. Queremos um muro exactamente igual ao que lá estava.

In "O Montemorense", Maio de 2016

terça-feira, 26 de abril de 2016

Se faz favor, onde fica o Centro de Saúde?



Temos em Montemor-o-Novo um novo Centro de Saúde. Pelo que me é dado a perceber, as novas instalações, situadas nas traseiras do Hospital de São de Deus, têm as condições necessárias e suficientes para dar assistência aos que necessitam dos seus cuidados. Nós, que somos de cá, sabemos o caminho até àquele novo equipamento de saúde. E os de fora? Onde é que está a sinalética adequada que lhes indique o caminho certo e mais curto para lá? Já aconteceu alguns veículos ligados às urgências hospitalares irem parar, a meio da madrugada, ao edifício velho (no antigo Hospital de Santo André, no lado oposto da cidade), porque seguiram as indicações que ainda estão em vigor na via pública.
Não, desta vez, não é confusão da fofa, nem é minha a vontade de criticar. Fiquei a saber disto no próprio Centro de Saúde novo, dito por quem sabe. Portanto, meus senhores, como diz uma amiga de há muitos anos, menos riso e um pouco mais de siso. Toca a colocar na via pública os sinais devidos e com as direcções correctas para que não haja situações graves a lamentar. Digo eu, que nunca pensei que isto fosse possível.
Ingénuo. Como uma criança no meio de um campo de flores.

In "O Montemorense", Abril de 2016


domingo, 24 de abril de 2016

Abril, Abril...



Há 42 anos, tinha eu treze anos e fui, ao lado do meu Pai, (eu acho que ele me deu a mão, por questões sabe-se lá de quê!) à enorme manifestação do 1.º de Maio, junto ao Cine-teatro Curvo Semedo. Largas centenas de montemorenses juntavam-se, pela primeira vez em liberdade, para celebrar, não só o Dia do Trabalhador, mas ainda a Revolução que tinha começado na semana anterior. Velhos, novos, crianças, trabalhadores, todos viveram aquela nova experiência de lágrimas nos olhos. Havia bandeiras, música, gritos, abraços, discursos. E havia, ao contrário de hoje em dia, muita gente, unida no mesmo propósito: saborear de forma real, palpável, o que era estar na via pública, livre, feliz, com centenas de amigos à sua volta e sem pides ou bufos à espreita.
Uns dias antes, na manhã do dia 25, a professora Jesuína Raposo tinha-nos dito, assim que entrámos para a sala de aulas, prontos para mais um teste de Matemática: “Vão para casa, para junto dos vossos pais, porque hoje não há aula.” Lembrei-me que, nessa manhã, a minha Mãe tinha o rádio ligado e tinha soprado discretamente um segredo qualquer ao meu Pai, antes de este ter saído para o trabalho. Ao chegar à Avenida Gago Coutinho, acompanhado por alguns colegas da turma, parei. Os militares que tinha partido de Estremoz em auxílio do Capitão Salgueiro Maia, prestes a tomar o Quartel do Carmo, em Lisboa, desciam aquela artéria central da minha vila, metidos em chaimites revolucionárias, entusiasmadas e expectantes.
Em boa hora.



In "O Montemorense", Abril de 2016

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Como num campo de flores




É incontornável o momento que se vive neste mês. Lembrar a acção dos militares de Abril, ocorrida há 42 anos, é perpetuar a vontade indomável de não querermos de novo no país uma ditadura, desumana como todas as ditaduras, onde os mais pobres não tinham voz, onde os mais ricos detinham o poder e o domínio sobre os outros e durante a qual foram perseguidos, presos e mortos muitos dos que ousaram levantar a mão contra o querido líder e o seu abençoado regime.
Houve exageros durante todo o processo revolucionário. É inquestionável. Profundos e irreversíveis, como acontece, desde sempre, em todos os processos revolucionários. Voltaram a cometer-se injustiças, quando se procurou, com todas as forças, inverter os papéis e se pensava que qualquer um poderia gerir o país, ainda que, para tal lhe faltasse as “habilitações” necessárias. Os que saíram magoados da Revolução, e sabemos que foram muitos, gostariam que tudo tivesse sido de outra maneira. Talvez até isso tivesse sido possível. Se, antes de Abril, o povo português não tivesse alimentado durante décadas uma vontade indomável de querer ser livre. Depois, tal como um rebanho, solto após anos de cativeiro, mediu mal a liberdade e acabou por repetir erros contra os quais tinha lutado. Nunca George Orwell* tinha tido tanta razão.

Mas como viver um novo estado de coisas se tal nunca tinha acontecido antes? Soltemos uma criança num campo cheio de flores e verificaremos que ela, no seu entusiasmo ingénuo e com a sua inexperiência de vida, vai acabar por colher uma grande parte, acreditando que, nas suas mãos, ou nos vasos e nas jarras lá de casa, elas venham a ter uma maior hipótese de sobrevivência.

*George Orwell, (1903- 1950) escritor, jornalista e ensaísta político inglês, autor de Animal Farm (O Triunfo dos Porcos), onde denuncia os exageros dos regimes totalitários e as consequências das revoluções contra essas formas de governo.


In "O Montemorense", Abril de 2016

segunda-feira, 21 de março de 2016

Marcelo, o chef


O cozinheiro Marcelo vai, até ver, contentando a maioria. Consegue, como um bom chef, gerir os ingredientes que tem à disposição para, desta forma, poder confeccionar os pratos que vão satisfazendo os apetites mais exigentes, ou quase. Nem sempre os grandes chefs agradam a todos os comensais. Nem todos podem ganhar uma estrela Michelin. Mas Marcelo pode. É simpático, culto, tolerante, preocupado com as causas sociais, acutilante nas críticas à esquerda e à direita, mostrando, desde logo, capacidades de discernimento bastante superiores às do anterior Presidente que, na minha humilde e mais do que badalada opinião, já devia muitos meses aos chinelos de quarto e ao conforto descomprometido da sua casinha das duas (polémicas) marquises da Travessa do Possolo,13, 1350-252, Lisboa.
Marcelo tem nome de um governante que quase foi seu padrinho de baptismo, e Rebelo de Sousa são apelidos de outro governante, seu pai, Ministro das Colónias na era marcelista, quando ainda não se falava em liberdade, embora a vontade fosse muita. Ao contrário do que muitos da velha guarda esquerdista militante advogam, estes atributos não fazem dele, nem um defensor do Estado Novo, nem um representante da velha política. O actual Presidente da República mostrou, quer se goste, quer não, que é um aglutinador de ideias, um fazedor de consensos e um homem mais de esquerda do que muitos esquerdistas que se andam por aí a abanar pelas televisões, isto se é que ainda se pode falar em esquerda e direita em Portugal. Deixem-me abrir um parênteses para acrescentar que este tema nem necessitaria de muitas teses longas e chatinhas para se poder concluir que o espectro político actual tem mais a ver com birras e ódios antigos do que com a verdadeira essência da política pela qual nos devíamos governar. (Como estamos longe dos princípios dos gregos clássicos!)
Enfim, passemos à frente.
Marcelo Rebelo de Sousa é um one-man-show. Mas um homem-espectáculo no bom sentido da palavra. Ele começou por dar que falar quando nadou no Tejo e conduziu um taxi, na candidatura à Câmara de Lisboa, já lá vão um par de anos. Ele deu espectáculo nas televisões, enquanto comentador, zurzindo à esquerda e à direita, e, agora, enquanto mais alto magistrado da nação, continuou igual a ele próprio e o povo gosta assim, porque foi neste Marcelo que a maioria dos portugueses votou. Por isso, tinha de dar espectáculo no(s) dia(s) da tomada de posse. Sem medo de opiniões miserabilistas, consciente da sua vontade e sabedor da sua originalidade. Marcelo foi um bocadinho americano, no bom sentido, um bocadinho britânico, no bom sentido, um bocadinho nórdico, no bom sentido. Mostrou-se um cidadão do mundo, se querem saber mais. Um cidadão-político a celebrar a vitória com quem o elegeu.
Quem me conhece e me lê sabe que, pela minha formação e exemplos recebidos, não sou um homem de direita. E também sabe que eu sei que nem tudo o que a esquerda diz, escreve ou manda tem lógica e futuro. Nesta linha de pensamento, entra Marcelo, social-democrata, cristão, logo com tendência para a defesa dos mais necessitados, e um livre-pensador. Exactamente: um espírito livre. Diz o que pensa, escreve o que diz, faz o que escreve. Não sei quanto tempo vai durar este estado de graça. Mas acredito que o seu carisma, o seu savoir-faire não se vai esgotar assim que se varrerem os confettis e se arrumar o salão de baile. Que os deuses o conservem assim. António Costa pode vir a precisar, e muito, dele e do seu bom senso. E acreditem que vai ser para breve.


In "O Montemorense", Março de 2016 

quinta-feira, 17 de março de 2016

Cozinhar



Cozinhar faz bem à saúde e liberta-nos o espírito. Pegar nos tachos e nas panelas, na garrafinha de azeite, na cebola e nos alhos, nos coentros e na salsa e é o que basta para nos sentirmos uns alquimistas à procura da Pedra Filosofal. É um prazer imenso quando a casa se inunda dos aromas que nós produzimos a partir do nosso velho fogão, foco de luz do nosso reino improvisado, onde tentamos reproduzir ao pormenor as receitas que as nossas avós passaram às nossas mães e que continuam vivas nos pratos que levamos para as nossas mesas, aguardando, quantas vezes temerosos, a crítica sempre honesta da família. Transformar o cru em algo comestível, seja carne, peixe ou legumes é uma arte que só quem experimenta sabe, de facto, valorizar.
Para mim, cozinhar aos Domingos de manhã é também perpetuar a visita habitual da minha Mãe. É imaginar-me com ela, sentada no seu banco preferido, no seu fato preto de viúva, a escutar-lhe as palavras sábias (sempre sábias) sobre o tempo e o modo como preparar cada ingrediente, como aromatizar cada molho, como, enfim, arrumar tudo na panela, aberta e disponível, transformando em lume brando um Caos aparentemente sem solução numa Ordem Sagrada onde tudo, com tempo e amor, acabava por encontrar uma deliciosa solução.

E o maior elogio que já recebi não foram os habituais e previsíveis “Que delícia!“Tens muito jeito!” “Mas que sabor requintado!” Não. O maior elogio que já recebi foi simples, e, como todas as coisas simples, tocante e mágico: “Sabes, Pai, estas migas com carne de porco sabem mesmo às migas da avó Rosa”. 

In "O Montemorense", Março de 2016

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Pato, arroz de


E pronto. Socialistas e não socialistas, comunistas e não comunistas, bloquistas e não bloquistas (os Verdes e o moço dos Animais) ficaram a saber (mais uma santíssima vez) que o que se diz nas propagandas, perdão, nas campanhas, e nos comícios políticos nada corresponde à verdade. Portugal foi às urnas a 4 de Outubro e, depois disso, nada foi igual neste país de santos, heróis e reis, entre os quais, um que plantou o Pinhal de Leiria (que trabalheira) e outro que construiu o Convento de Mafra (ficando 3 meses de real cama depois de acarretar tanto pedregulho).   Mas não mudemos de assunto, que o caso é sério: se os americanos têm o naine-êlévan, nós temos o quatro-do-dez, que foi também a coisinha mais estranha que nos aconteceu. Passo a recordar aos meus 12 leitores: a Coligação PSD/CDS ganhou as eleições legislativas por maioria relativa, o Presidente da República empossou o pessoal de direita e, coisa dita, coisa feita, os partidos de esquerda despacharam-nos em menos de nada, “obrigando” o aflito Presidente a dar posse como Primeiro a um rapaz que tinha perdido as eleições. Ainda bem que Costa não tem tendências nazis, salazaristas ou pró-islão com bombas à cintura, senão era Primeiro à mesma e lá teria de dar-se uma limpeza assim por alto ao Forte de Peniche, à cadeia de Caxias e ainda uma enceradela aos cubículos do Tarrafal, pois era mais que certo que todos estes edifícios iriam novamente ser habitados.
Mas Costa não é nada disso. É um democrata, socialista e acho que também é laico, embora o padrinho Marocas também o tenha sido e, tal como eu, fosse à Missa de quando em vez. Bom… vamos seguir com a coisa. Costa, que também é isso tudo, terá de levar com mais um predicativo do sujeito: Costa é um brincalhão. Brincou com as incertezas dos portugueses, aproveitou-se do seu cansaço pela travessia deste enorme deserto de quatro anos de roubalheira aos seus ordenados e direitos, alertou que tudo ia ser diferente e má-na-sê-quê e eteceteraetal... E pronto: conseguiu convencer os ceguinhos dos outros partidos anti-coligação e espetou com a dita no olho da rua, com um Portas com ar de virgem ofendida e com um Passos com ar de virgem (só). Isto é, obrigou Cavaco a dizer que sim, “vais ser Primeiro-ministro”, nesta estranha democracia onde já não governa quem mais votos tem na urna, ao contrário do que aprendemos logo ali a seguir ao 25/4.

Portanto, e em suma, como diz um aluno meu (e diz muito bem) e também como refere o meu filho mais velho em relação às mais diversas situações do dia-a-dia (e refere muito bem), vem aí “outra vez arroz!” E é de pato. E os patos somos nós. “Quem mais?”, como diria George Clooney num qualquer anúncio ao arroz do referido palmípede.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Uma paixão sem sindicato



As grandes festarolas organizadas pelos sindicatos dos professores, as comemorações, os desfiles e outras coisinhas assim, já há perto de 5 anos que não contam com o meu contributo financeiro para os comes e bebes, cartazes, faixas e materiais quejandos, simplesmente porque depois de tanto inconseguimento, como diria a mui ilustre e prolixa ex-presidente da Assembleia da República, Sãozinha Esteves, era uma verdadeira burrice da minha parte entregar-lhes uma procuração a troco de um desconto no meu vencimento para me representarem mal, mal, mal, na luta pelos meus direitos.
A carreira de professor, se ainda mantém a dignidade que todos os dias lhe procuramos dar, deve esse estatuto aos próprios docentes, muitos deles prestes a entregar o cartão de sindicalizados, tal como fez este vosso amigo, com uma extremíssima vontade de os mandar cavar batatas, para ver se a economia do país melhorava.
Os sindicatos perderam a força e não conseguem alterar na lei uma única virgulazinha para que possamos ter um pouco mais de gosto pela profissão. E vamos ficando cada vez mais desgastados com o trabalho (e não estou a falar das aulas) que nos vão obrigando a fazer e com o ordenado cada vez mais emagrecido que nos obrigam a ganhar. E esse desgaste vai-se reflectindo, aos poucos, em todas as áreas e em todos os níveis de ensino.

Portanto, e em suma, devolvi o cartão de sindicalizado, expliquei porquê e comecei a perceber um bocadinho melhor as razões que levaram Margaret Thatchter a andar sempre tão desiludida, direi mesmo tristinha, com os sindicados ingleses. E a inenarrável Dama de Ferro que nunca teve cartão! (Nem Cristo teve biblioteca).

In "O Montemorense", Fevereiro de 2016

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Cavalas




Vou escrever estas linhazinhas com uma tristeza profunda: os portugueses continuam mansos e mais conformados do que duas cavalas em azeite, anafadinhas numa latinha de conserva, na prateleira de um supermercado qualquer. Por que utilizei esta figura de estilo chamada comparação, para dar reforço ao motivo da minha tristeza? Porque quero homenagear os meus colegas professores de Português, porque nunca ninguém dá o devido valor às cavalas e porque a fofa é capaz de devorar aqueles peixinhos gordurosos como se não houvesse amanhã.
Pronto: contentei todos.

In "O Montemorense", Fevereiro de 2016

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

O (ainda) benefício da dúvida


Não sei por quantas reformas já passaram os professores e os alunos desde o longínquo 25 de Abril de 74. Sei que em todas elas houve pontos positivos e pontos negativos mas que, surpreendentemente, raramente foram utilizados como partida para as reformas subsequentes. Notei que nos últimos anos do consulado de Sócrates e em todo o reinado de Passos se privilegiou a formação pouco aprofundada dos alunos, a necessidade de transição de ano sem que, muitas vezes, os conhecimentos mínimos tivessem sido alcançados, e com o único objectivo de Portugal figurar em posição de destaque nos rankings europeus de sucesso escolar. Felizmente que a maioria dos professores, pelo menos os das equipas pedagógicas a que tenho pertencido ao longo de mais de trinta anos, não alinhou nessas directivas do passem-os-alunos-senão-levam-tau-tau e continuou a trabalhar com o rigor que a sua consciência profissional desde sempre lhe ditou.
O novo ministro da educação, Tiago Brandão Rodrigues, investigador na prestigiada Universidade de Cambridge na área da oncologia, seria, como era de esperar, um verdadeiro desconhecedor das questões que têm atormentado quem trabalha nesta área tão fascinante que é a Educação. Não sabemos ainda quais os planos concretos do seu ministério. No entanto, as pequenas alterações que começou a introduzir parecem-nos apropriadas e com futuro. Talvez haja nas suas políticas e na sua eventual nova visão sobre estas coisas do ensino intenções de, através de reformas sérias e exequíveis, redignificar a carreira dos professores, responsabilizar os alunos por um maior empenho no seu trabalho, nas suas pesquisas e no estudo das matérias fundamentais para o seu futuro. Em suma, que não haja medo de possibilitar aos alunos, aos docentes por eles responsáveis, aos pais e a todos os parceiros capacidades e conhecimentos para que todos possam continuar livremente a escolher os seus caminhos, a lutar pelos seus ideais e a pôr em causa, sem sombra de hesitação, muitas vezes primeiro ainda que os tão inefáveis sindicatos, o que os governos decidem pôr em prática de lei para lhes tramar a vida, em nome de interesses escusos, filhos muitos deles de pai incógnito e de ventre maldito.

In "O Montemorense", Janeiro de 2016


sábado, 16 de janeiro de 2016

PR precisa-se. Activo, se possível!




Sabemos que os poderes do Presidente da República são, podemos dizer, relativos, o que leva a vox populi a afirmar constantemente, em tom de desdém: “Ele não manda nada!” Mas manda. E muito. Basta pensarmos que esta mais alta figura do Estado tem nas suas mãos, e é da sua competência, o veto e a promulgação de leis, bem como a demissão do Governo, a exoneração do Primeiro-ministro e a dissolução da Assembleia da República. Acham pouco? Eu não.
Claro que jamais poderemos medir essa capacidade e essa possibilidade tendo como referência o ainda Presidente Cavaco Silva. A sua inacção total (apatia cívica e política) perante algumas das situações gritantes que ocorreram nos últimos quatro anos em Portugal não pode nem deve ser tomada como prova cabal da limitação de poderes do PR. Cavaco Silva não reagiu, não vetou leis desumanas nem dissolveu o Parlamento, mantendo quase sempre um silêncio incómodo para todos (menos para ele) e primando pela sua ausência nos exactos momentos em que Portugal dele precisava. E isto porque o enigmático PR, circunspecto e aparentemente pacificador, entendeu que não devia contrariar o Governo de Coelho/Portas, para não ter de gramar a situação que sempre lhe incomodou o sono: ter o país, um dia, governado por um partido de esquerda com o apoio dos outros partidos de esquerda.
Afinal, verificou-se que tal “pormenor” seria uma mera questão de tempo. E uma questão de devolver aos desempregados, aos idosos, aos mais jovens, aos que emigraram cheios de força e de talento, ao país em agonia, a réstia de esperança que outros lhe roubaram sem dó nem piedade para servirem, com vénias e salamaleques, os mercados e os mercadores que neles mandam.

O Presidente da República que está para chegar não pode ter medo de assumir as suas responsabilidades e de fazer valer os poderes que lhe são atribuídos pela Constituição. E há que usá-los sempre que esteja em causa a soberania do país e a dignidade do povo que é dele o elemento principal e insubstituível.


In O Montemorense, Janeiro de 2016

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

... antes de entrar em 2016



Nesta altura do ano há sempre aquela mania, vinda sei lá de onde, de se fazer o balanço do ano. Faça lá o balanço do ano que está a findar, costuma pedir-se a quem gosta de andar sempre a escrever coisas sobre o país e o mundo. E o que é isso do balanço? Ninguém sabe, porque os resultados não servem rigorosamente para nada. Analisadas as falhas e as qualidades da nossa vida durante os últimos doze meses, ficamos a saber quase imediatamente que o que correu mal não tem muito a ver com o que fizemos ou com o que não fizemos mas com o que nos fizeram. Políticos e amiguinhos do peito continuaram e continuarão a tramar o mexilhão que, por muito que grite, sente aumentar ainda mais o vazio do abismo para onde o lançaram.
Então aqui vai:

Neste momento, no findar de mais um ano (este passou mais depressa do que qualquer outro, vá lá saber-se porquê) assisto, preocupado, à brutal ressurreição da extrema-direita em países que sempre condiderámos pais e mães da moderna democracia. E é exactamente por causa dessa democracia que um dia, mais década menos década, deixaremos de poder ser democratas. Então, quando um dia sentirmos na pele as marcas hediondas de um fascismo renascido, quando não pudermos dar voz ao pensamento e transformar o mundo ao sabor dos nossos sonhos, então, nesse dia, quero estar abraçado aos que já partiram.

Se querem que inclua neste tal balanço as próximas presidenciais e o carnaval que por cá vai por causa disso, devo concluir que Marisa Matias, Sampaio da Nóvoa, Edgar Silva e Maria de Belém Roseira gostam muito de Marcelo Rebelo de Sousa. Estão tão ansiosos pela sua vitória que obrigam o eleitorado de esquerda a dividir-se (mais uma vez, mais uma vez), o que vai levar à vitória (já por ele anunciada variadíssimas vezes) o mais célebre professor do nosso país de liliputianos.

Quanto à estranha dança de cadeiras que recentemente assolou o nosso Governozinho, o povo (eu, tu e os nossos vizinhos, quem mais havia de ser?) não acredida (nem que lhe espetem um garfo nos olhinhos) que a mudança de laranja para rosa venha a resolver os seus problemas. Porque o povo já está careca de saber que os problemas aumentam sempre de legislatura para legislatura sem que se veja solução nem vontade efectiva de encontrar uma. Não convém encontrá-la: os mamões têm de continuar a mamar, os ladrões têm de continuar a roubar, os explorados, os ofendido, os espoliados têm de ver garantida a sua existência porque sem putativos atacados não é possível haver atacantes, sem potenciais vítimas os criminosos terão de ir para o desemprego ou para uma multinacional ou ainda para um departamento qualquer do Estado, pintadinho e mobiladinho à espera do anunciado inquilinozinho.

O Natal continua a ser, cada vez com maior intensidade, o momento da família. E só quando crescemos à custa de algumas mágoas profundas é que percebemos que esta quadra acaba sempre por transformar-se num momento de maior intimidade entre os que estão e os que já não estão. Porque é a memória que prevalece. E o amor também, embrulhado neste tempo em que regressamos à infância e ao Inverno do nosso contentamento.
Recordamos as idas ao musgo, debaixo da ponte de ferro, o pequeno pinheiro que o Pai trazia de uma das suas muitas viagens em trabalho, e que a Mãe enfeitava com bolinhas brancas de algodão (em vez das bolas coloridas – e caras), as figuras do presépio compradas no saudoso Julinho de Alcântara, esse homem engenhoso que punha comboios eléctricos a andar, a velocidade considerável, uns por cima outros por baixo, na entrada do nosso Mercado Municipal.
Queremos reviver esses momentos, todos estes anos depois, nas nossas casas, com as nossas novas famílias, depositando religiosamente o mesmíssimo Menino Jesus de barro no estábulo de Belém, fixando no verde a ridícula ponte de três arcos, completamente anacrónica, passando por cima de um pato de plástico, ainda mais ridículo, a nadar estaticamente num lago de prata, e alinhando os três Reis Magos, montados em camelos mais pequenos que o São José encostado ao báculo. Contudo, para nós, putos e felizes, tudo fazia sentido.
São memórias que nunca partem, tal como os nossos que nos parecem deixar para sempre mas que, paradoxalmente, nos acenam todos os dias, espreitando, vigilantes, em cada uma das esquinas das ruas da nossa cidade.

Pronto. Queriam um balanço? É este o balanço que consigo fazer. Provavelmente muito igual ao vosso. Bom Natal.
A fofa pede-me da cozinha que aqui deixe um abraço de boas festas aos nossos 10 leitores.
Pronto, já deixei. Se continuamos juntos? Claro! Eu, vocês e a fofa.

In "O Montemorense", Dezembro 2015


quarta-feira, 18 de novembro de 2015

"Não há longe nem distância" *


           Ainda em pleno rescaldo dos acontecimentos de 13 de Novembro, em Paris, poucos têm ainda o discernimento suficiente para lançar as habituais opiniões, sempre doutas e seguras, sobre este género de situações para as quais não há, aparentemente, qualquer hipótese de prevenção. Atentados ocorreram desde sempre, em lugares longínquos do globo mas que, para nós, portugueses-a-vivermos-num-paraíso, não têm passado disso mesmo: de mortos aos milhares, rios de sangue, torturas e execuções mas que acontecem longe, muito longe, e que, graças ao longe, à distância e à nossa falta de capacidade de processamento, não passam de situações dramáticas que jamais em tempo algum nos poderão atingir, a nós, portugueses, pacíficos e (mais ou menos) tolerantes.
Milhares de artigos foram escritos nestas últimas horas sobre Paris, narrando o terror e a incerteza vividos pelas dezenas de vítimas inocentes; sobre a falta de segurança e a incapacidade das autoridades de lerem os avisos que vinham sendo lançados desde os atentados de Nova Iorque (2001), de Atocha (2004) ou de Londres (2005). Multiplicam-se agora as estratégias para cumprir a velha máxima da “casa arrombada, trancas na porta”. E que passam, na sua maioria por outras acções de violência que, pelo seu carácter radical, dificilmente serão a solução verdadeiramente eficaz. E aqueles que, veiculando várias teorias da conspiração, não aceitam a entrada de refugiados na Europa, encontraram nos atentados de Paris o motivo deliciosamente exacto para elevar ainda mais a voz contra os que procuram a paz e uma vida normal num canto qualquer longe da guerra e da fome. Também eles vão, consequentemente, levar com os estilhaços destes momentos tão cruciais para o rumo da Europa, hoje cada vez menos tolerante e cada dia mais fechada. Eles e outros. Vai iniciar-se a inevitável caça às bruxas que, em tempos de triste memória, fez as delícias de Católicos e Protestantes temerosos pela perda do seu domínio sobre as mentes e os comportamentos do mais comum dos mortais. Como podemos ver, tem tudo a ver com religião. E com poder.
Como é viver em Paris, a partir do dia 13 de Novembro? Em termos de quotidiano, tudo se alterou. Viver a vida pacificamente numa rua qualquer de Paris, de Londres ou de outra cidade europeia (e americana) já não será possível, pelo menos durante o tempo em que as imagens dos massacres de Paris (e outras, repescadas de outros ataques terroristas) continuarem, repetidamente, a passar nas televisões de todo o mundo.
Os trágicos eventos que nos levaram as estas reflexões só aconteceram como consequência directa da ingerência por parte dos países ocidentais, sob o comando da sempre amada e todo-poderosa América, na gestão interna de vários países do Médio Oriente. E querer, à força, mandar em países com essas características, em que o poder do Estado não se distingue do poder Religioso (como, em tempos, aconteceu em Portugal), é como mexer num ninho de vespas: as consequências são, obviamente, imprevisíveis.

            Há uns tempos, quando se falava no Médio Oriente, em Israel e na Palestina, apontava-se para muito longe, aliviados pela distância. Mas já não é assim. O Médio Oriente é muito mais do que a disputa entre aqueles territórios, o longe já não existe e o Mal, na sua essência mais profunda e inaudita, está onde está um ser humano, quer use turbante, solidéu ou quipá.

* Richard Bach

In "O Montemorense!", 20/11/2015 

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Terror nacional


O Grito, Edvard Munch (1893)

Distraídos com os dramáticos (contudo, esperados a qualquer momento) ataques a Paris, esquecemo-nos de que fomos às urnas no dia 4 de Outubro e que ainda não temos um governo fixo. Por causa do horror a que temos vindo a assistir, deixámos de dar atenção aos ataques que a coligação dita de direita e a associação dita de esquerda fazem todos os dias à nossa inteligência. Porque o que eles fazem também roça o terrorismo. Não precisamos, pois, do Estado Islâmico para criar o pânico no pessoal luso. 
Eu explico: se o PS e os seus novos amigos assustam o povo quando dizem que o PSD e o amigo vão carregar nos cortes e nos impostos… isso é terrorismo. Quando o PSD e o amigo dizem que o PS e os novos amigos vão pôr o país na falência… isso é terrorismo. Quando se acusam mutuamente sem apresentarem soluções transparentes, dignas e seguras aos munícipes deste grande quintal, esses radicais estão a fazer terrorismo. Essas criaturas, cegas pelo desejo de poder (sempre o poder) não medem as palavras e muito menos querem saber do rumo que essas diatribes inconsequentes podem dar à nossa vida de todos os dias.
          Portanto, é urgente regressar à nossa realidade e aguardar, não sem alguma angústia, a decisão do Presidente da República, caso ele regresse da Madeira onde está neste momento na mais inútil visita de Estado de que há memória.

In "O Montemorense", 20/11/2015

domingo, 18 de outubro de 2015

Os ditos da fofa (parte 3)



As sondagens levadas a cabo antes das eleições são cada vez mais fiéis aos resultados oficiais. A malta cola-se ao televisor nas noites eleitorais não para saber quem ganhou, mas para comparar as percentagens atribuídas a cada força partidária com os números apresentados previamente pelas sondagens. E é, de facto, impressionante. Há uma diferença mínima, é certo, mas que não influencia o resultado final. A minha fofa andou a cismar nisto, porque desde a hora do almoço que não me dirigia a palavra. Chamei-a: “Vou mandar o Cloreto deste mês à D. Maria Manuel. Queres lê-lo?” Ouvi-lhe os passinhos curtos e leves, porém circunspectos: “Pode ser…” E leu. E concluiu: “Se as sondagens reflectem antecipadamente o resultado eleitoral, não vale a pena o povo ir às urnas. Não se consegue mudar nada…” Tinha razão.
Ouviu-se a campainha da porta. “Deixa-me ir abrir”, disse ela. “São aqueles três de que falámos há pouco.” Para mim: “Vai buscar o Balú e põe-lhe a trela.” Ainda a ouvi cumprimentar: “Boa tarde, senhores doutores. Esperem um bocadinho que o Balú já está quase pronto para o passeio. Aí vem ele. Ah! Doutor Portas, tem aqui uns saquinhos de plástico para… enfim, o senhor sabe… Pronto, divirtam-se e bom passeio. E se o Balú não obedecer às vossas ordens não lhe prometam nenhum osso extra. Ele é muito mais inteligente que muitos portugueses…”

In "O Montemorense", Outubro 2015

sábado, 17 de outubro de 2015

Os ditos da fofa (parte 2)



Após quinze anos de propaganda eleitoral na televisão portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) candidata-se ao mais alto cargo da nação. Isto se ainda existir nação quando chegarmos a Janeiro. E julgo que a sua primeira tarefa, em defesa dos valores da pátria e dos direitos dos portugueses (se ainda houver portugueses) é demitir o Governo, dissolver a Assembleia da República e convocar novas eleições. Se MRS for coerente com o que pareceu pensar e defender ao longo destes anos, vai ser esse o primeiro gesto de salvação nacional. Costa, Passos, Portas e outros estão manchados por anos de mau uso do poder público, por incumprimento constante e contínuo da sua palavra, pela mentira descarada e sem vergonha, pela falta de sentido cívico e social para com todos os que mais precisam.
A fofa, sempre atenta às minhas preocupações, levantou os olhos do cachecol amarelo-fluorescente que estava a tricotar e atirou, convencida: “Eu sei como é que esses políticos podiam recuperar a dignidade e o prestígio.” Saí do meu momento de repouso e abri, tímido, o olho direito. Sentindo-me atento, continuou: “Eu cá convidava os três para virem até cá e passearem o Balú.” Abri os dois olhos, acreditando que ela não estava a sentir-se grande coisa. E concluiu: “Quando as pessoas começassem a ver esses três em boa companhia, sei que muita coisa poderia mudar. Não é, Balú?” Desta vez, foi o labrador, pachorrento, que abriu um dos olhitos, soprando um uff!! ensonado. Eu fechei os meus e consegui pensar ainda antes de voltar a adormecer: “É capaz de ter razão… Amanhã telefono aos tipos.”

In "O Montemorense", Outubro 2015

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Os ditos da fofa (parte 1)




Já me ando a repetir. Mas no preciso momento em que alinhavo estas ideias não sei se o meu futuro e o futuro dos meus vão estar dependentes de um governo dito de direita, se de um governo dito de esquerda. E isso preocupa-me. Ambas as possibilidades me preocupam. Gostaria de acreditar que qualquer um serviria para nos oferecer a estabilidade de que precisamos para a nossa vida. No entanto, pensar assim é atingir um nível de estupidez a que não me posso permitir. A minha fofa, consciente das minhas preocupações, regressou um bocadinho ao passado para concluir umas coisas que se para nós são óbvias, já tal não são para a maior parte dos portugueses que sofre, indiscutivelmente, de amnésia, autismo e síndrome de Estocolmo. E disse-me ela, um dia destes, à hora do jantar: “Se o governo PS de Sócrates pôs as máquinas a trabalhar e escavou o pântano, o governo PSD/CDS de Passos e Portas alargou o perímetro do dito e empurrou-nos lá para dentro. Por isso, como é possível os portugueses quererem, feitos borregos, que qualquer deles governe o país?” Calou-se pensativa. E exclamou entre duas garfadas de arroz de pato: “Ah! Já sei! O sofrimento nesta terra de passagem é garantia de salvação eterna!”
Sim. Nem no tempo do Salazar havia tanto misticismo e tantos mártires em regime de voluntariado.

In "O Montemorense", Outubro 2015

terça-feira, 22 de setembro de 2015

E agora...?

         

           Há temas incontornáveis. Os dos refugiados de guerra domina a actualidade e o pensamento dos cidadãos de toda a Europa. Os portugueses não serão excepção e encontram-se divididos em dois grupos distintos que, dificilmente, encontrarão consenso. De um lado, os que defendem o apoio humanitário aos que fogem da guerra, da fome, da tortura e que procuram na Europa uma vida estável e digna. Do outro, os que gostariam, antes de mais, de ver apoiados os portugueses que ficaram sem emprego, os que têm fome, os doentes, os maltratados pelo nosso sistema político e financeiro, os que perderam a casa, a família e que dormem nas ruas, sem saberem como vai ser o dia de amanhã.
Julgo que ambas as perspectivas têm razão de ser. A ajuda aos protagonistas da maior crise humanitária desde a Segunda Guerra, na lista de prioridades do governo português, tem em conta a necessidade urgente de protecção e de integração dos que procuram asilo. E essa integração não terá, naturalmente, só a ver com um abraço amigo de conforto. Há que criar alojamentos, postos de trabalho, espaço nas escolas para as crianças, espaço nas comunidades para as famílias. Portugal foi sempre um país hospitaleiro, talvez por ser uma nação de onde partiram, e continuam a partir, emigrantes sem alternativa a não ser procurar melhores dias noutros países. E é este o ponto de colisão entre as duas posições. Se há gente a partir por não haver empregos, como poderão os refugiados ser integrados no mercado de trabalho? Se vão ser dados alojamento a diversas famílias prestes a chegar a Portugal (casa, água, luz, gás...) por que não fazer o mesmo às centenas de famílias que, sem emprego, vivem no limiar da pobreza, num desespero permanente e sem perspectivas de futuro? Se vai haver dinheiro para ajudar as crianças e os jovens em idade escolar, por que não se dá um maior apoio às famílias carenciadas que não têm dinheiro para comprar um lápis ou uma caneta? Por que não alargar o âmbito de apoio nas escolas e outras instituições a todas as crianças portadoras de deficiência?
          O ideal seria dar cobertura a todas as situações: às nossas e às dos outros. E sei que, se a vontade política fosse outra, era isso que acontecia. Mas a questão está longe de ficar arrumada. Vamos, em breve, ser postos à prova sobre alguns dos nossos sentimentos mais escondidos. E vamos ficar a conhecer melhor de que ser humano é que somos feitos.



In "O Montemorense", Setembro de 2015

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

O Triunfo dos Porcos





Pouco me apetece falar destas duas personagens que me andam a entristecer os dias, já por si demasiado cinzentos, mas não sei o que pretendem os principais candidatos a primeiro-ministro. As acusações têm dominado esta campanha eleitoral, o debate que diziam ser tão decisivo acabou por ser um anti-debate e descambar num rol de acusações de parte a parte que só serviram para não esclarecer coisa nenhuma, porque nenhum deles conseguiu mostrar de forma clara como vai ajudar o país a entrar numa zona de equilíbrio que nos traga algum sossego. Porque para estas duas figuras Portugal não tem futuro. Só passado e estúpidos odiozinhos de estimação.
Sócrates, por outro lado, tem sido, vergonhosamente, a bola que os dois vão atirando um para o outro, sem nunca terem apresentado ao comum dos mortais propostas credíveis de solução para tantos e tantos problemas que nos afligem. Os líderes do Partido Socialista e do Partido Social Democrata, na euforia da troca de palavras, esquecem que os partidos que os apoiam são ambos responsáveis pelo estado a que isto chegou. Quem passou por todos estes governos democráticos, de Mário Soares a Passos Coelho?
Por isso, não sabemos o que esperar do próximo chefe de governo. É que, como diria George Orwell, o povo olha de Passos para Costa e volta a olhar de Costa para Passos e não consegue distinguir qual deles é qual.

E Paulo Portas? Sobre Paulo Portas apenas uma linha: esta.

In "O Montemorense", Setembro 2015


quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Old friends





Quando começamos a perder seres que nos amaram incondicionalmente ao longo de toda a nossa vida e que, pelo sangue ou pela amizade, faziam parte indissociável de nós, do nosso ser, das nossas entranhas, do ar que respirávamos, tentamos, timidamente, encontrar formas de ultrapassar a dor, de minimizar o desgosto, de nos aproximarmos, discreta mas eficientemente, dos seus olhos, dos seus ouvidos, dos seus lábios. O ser humano, ainda que se diga sem fé, tem feito a sua vida, desde tempos imemoriáveis, como homem religioso que tenta encontrar noutra dimensão o que não encontra no mundo, na cidade, na rua onde vive. A certa altura, muitos afastam-se de uma prática religiosa, com maior ou menor intensidade, porque pretendem, com um olhar mais objectivo, tentar perceber a lógica do que, aparentemente, não tem qualquer lógica. Essa separação, quase sempre temporária, acaba, tantas vezes, por dar frutos. E é preciso começarmos a perder os que mais nos amavam para percebermos que o mundo pode ser mais do que terra, água, ar e fogo.

In "O Montemorense", Setembro de 2015

Distraídos crónicos...


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